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Fui indicada para a CTV pelo nosso querido Padre Agostinho e apoiada para presidente pelo saudoso senador Severo Gomes. Impossível falar da CTV sem citar Paulo Sergio Pinheiro, seu esteio e sustentáculo, os amigos Margarida Genevois, José Gregori, Hélio Bicudo e tantos outros que bastavam por si para lhe dar credibilidade e abrir portas de instituições fechadas. Nomes são importantes pelo que eles representam - e nesse caso, a luta intransigente em defesa dos direitos humanos, sobretudo da população carcerária, dos adolescentes em conflito com a lei, das minorias oprimidas.
E o registro da memória é também de fundamental importância para que os fatos não se repitam ou, ao menos, sirvam de referência para a construção de uma sociedade mais solidária, justa e democrática.
Assim, o profundo reconhecimento ao Arquivo Público do Estado de São Paulo pela acolhida dada aos arquivos da CTV e pela forma prestigiosa que os têm tratado, culminando com o nosso encontro de hoje para repor/recompor a força da história da CTV. Os nossos agradecimentos, na pessoa do coordenador, Fernando Padula Novaes, ao empenho dos funcionários dedicados à organização do evento e, não poderia deixar de cumprimentar Otávio Dias pela pertinência da iniciativa de aqui abrigar os arquivos da CTV.
A CTV esteve na porta do Complexo do Carandiru, protestando contra o massacre dos 111 presos, e em visita posterior ao Pavilhão Nove, onde ainda se encontravam as marcas da tragédia. Promoveu articulações com outras organizações não governamentais – nossas parceiras de sempre – e com as autoridades responsáveis para que não prevalecesse a impunidade, que hoje, após 25 anos, ainda clama por Justiça.
Nas questões da violência nossa compreensão dos fenômenos sempre foi abrangente, focando as violações nos sistemas de segurança pública, judicial e carcerário, buscando maior efetividade da nossa atuação e recorrendo, quando necessário, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
No caso ilustrativo que ficou conhecido como a chacina do 42 DP, (Delegacia do Parque São Lucas, em São Paulo), ocorrido em 1989, 18 presos morreram asfixiados, dentre 50 que foram obrigados a entrar numa cela de um metro e meio por três metros, onde mal cabiam cinco pessoas, após espancadas num corredor polonês formado por policiais e carcereiros e ali permaneceram por três horas no cubículo fechado como castigo por tentativa de fuga. A CTV acompanhou todo o processo junto ao Promotor Público Dr. Antonio Carlos da Ponte, jovem que já demonstrava o comprometimento com a Justiça e conseguiu levar o caso a Júri Popular, resultando em condenações do carcereiro, de três policiais, e de inexplicável impunidade do Delegado responsável pelo DP.
Lamento dizer que os nossos temas são recorrentes e persistem na atualidade, exigindo um constante alerta das forças progressistas da sociedade:
A luta constante para que a Câmara Federal não vote a favor do rebaixamento da Idade de responsabilidade criminal dos adolescentes em condição de infração, assegurada na Constituição Federal;
A denúncia do elevado número de execuções de jovens pobres, negros, moradores da periferia, por policiais, sob a alegação de tráfico de drogas e sob o manto do confronto em troca de tiros;
A desigualdade de tratamento conferido às mulheres encarceradas, que não têm o direito de cumprir pena em liberdade para educar seus filhos, em contraste ao que aconteceu recentemente no caso da mulher de um ex governador de Estado.
A CTV para denunciar as violações e sensibilizar os segmentos refratários ao conceito de Direitos Humanos, participou de inúmeras conferências, palestras, seminários, entrevistas, na mídia e outros fóruns - numa concepção até mesmo didática - na tentativa de introjetar os direitos econômicos, políticos e sociais como direitos de todos.
A CTV utilizou, ainda, todo um acervo de conhecimento e prática nos Relatórios Anuais de Direitos Humanos, nos Planos Estadual e Federal de Direitos Humanos, nos estudos e pesquisas realizados e na ação comprometida na defesa de direitos na construção/reconstrução de uma sociedade mais compatível com o Estado democrático de Direito.
Com certeza, valeu! Todo o trabalho, o enorme esforço realizado, e este permanente estado de atenção contribuíram bastante para que não ocorressem retrocessos e recrudescimento de muitas violações.
Mas, ainda muito há a ser feito! Na atualidade, a violência além do seu padrão de sempre assumiu novos contornos e roupagens, infiltrando-se nos meandros da sociedade e crescendo numa dimensão em escala, exigindo uma metodologia diferenciada e colocando um enorme desafio para as novas gerações.
São Paulo, 24 de agosto de 2017.
Maria Ignês Rocha de Souza Bierrenbach