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Foi uma grande honra e privilégio fazer parte da Comissão Teotônio Vilela. Esses 28 anos de lutas nos tornaram amigos e companheiros unidos pelos mesmos ideais de justiça e fraternidade.
A formação da Comissão Teotônio Vilela foi motivada pelo então senador Severo Gomes, que reuniu um grupo de pessoas para acompanhar a investigação do extermínio de 7 pessoas ocorrido no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, em 1983.
O nosso companheiro Paulo Sergio Pinheiro, com sua constante dedicação e vigilância, foi o maior incentivador da Comissão.
O trabalho da Comissão Teotônio Vilela tinha por finalidade defender os direitos humanos em todas áreas, mas na prática as suas atividades foram maiores em relação às infrações cometidas nas prisões e as execuções praticadas por agentes do estado.
A Comissão realizava constantes visitas e fiscalização com o objetivo de apurar a situação nessas e em outras instituições fechadas. Tratou igualmente da elaboração de propostas de reformas legislativas e sugestões de políticas públicas.
A Comissão Teotônio Vilela sempre contou com o apoio logístico do Núcleo de Estudos da Violência NEV, da USP.
A Comissão Teotônio Vilela apresentou denúncias à Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA, incluindo denúncias de violações de direitos praticados em entidades da FEBEM e no bárbaro massacre cometido do Carandiru.
A atenção da entidade não se dirigia unicamente à questões ocorridas em São Paulo mas estendia-se por todo o país.
Estivemos presentes nas manifestações em Eldorado dos Carajás e em Corumbiara após graves massacres de trabalhadores rurais.
O nosso trabalho não era fácil. Defendíamos presos, meninos da FEBEM, índios – os mais esquecidos da escala social. Éramos chamados de “defensores de bandidos”. As prisões no Brasil são depósitos promíscuos de pessoas. Muitos aí entram analfabetos e depois de anos saem também analfabetos. Nada mudou. Não aprenderam nada. As prisões são consideradas por muitos a universidade do crime.
O contato com os problemas que diariamente chegavam a nós nos marcaram profundamente. As violências que nos eram denunciadas não eram teorias, mas realidades sofridas por seres humanos iguais a nós. Creio que salvamos algumas vidas e ajudamos a resolver situações críticas graves em vários setores.
As nossas constantes visitas às prisões chamaram atenção para as condições absurdas e desumanas que ali existiam.
A visita à prisões deveria ser obrigatória a todo estudante de Direito. A primeira vez que visitei uma prisão ficou para sempre marcada em minha memória. A maioria de nós nunca havia entrado numa prisão.
Atrás das grades vi farrapos humanos com um olhar de angústia, desespero, ódio ou apatia. Até hoje me lembro do cheiro. Cheiro que entrava pelas narinas e, durante o dia, permanecia grudado na gente. Era um cheiro forte, misto de urina, mofo e água sanitária.
O olhar de desespero e súplica e esse cheiro permaneceram para sempre em minha memória. As nossas constantes visitas às prisões chamaram atenção para as condições absurdas e desumanas que ali existiam.
Olhando para trás, constatamos com tristeza que os problemas que tínhamos há 28 anos perduram. Nada mudará se não houver uma profunda transformação das mentalidades, se não houver a compreensão de que a violência não é a solução para os males que nos afligem.
Que a luta pelos direitos dos mais injustiçados, bandeira da Comissão Teotônio Vilela, continue em cada um de nós.
Finalizo com as palavras de Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas queridas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a recusar as coisas como estão e a coragem, a mudá-las”. Continuamos a lutar!
São Paulo, 24 de agosto de 2017.
Margarida Genevois