Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
“Mar português”, Fernando Pessoa (1934).
O Prata da Casa desta edição joga luz sobre um dos setores mais dinâmicos do Arquivo, por ser dos mais demandados por prestação de serviços da instituição, e revela uma das muitas faces de um arquivo público.
O Núcleo de Assistência ao Pesquisador (NAsP) é o setor responsável pelo atendimento aos pesquisadores que usam como fonte os documentos textuais e também pelo atendimento àqueles que buscam certidões para prova de cidadania e outros fins específicos. Este último serviço do NAsP é o destaque desta seção.
Foto: Editoria/APESP

De lágrimas e documentos
Os deslocamentos populacionais são fenômenos constatados desde os primórdios da formação das sociedades humanas. As motivações para esse fato são as mais variadas.
Segundo o especialista no tema, Odair Cruz Paiva,
“...a mobilidade humana no tempo não se resume apenas às determinações estruturais mais amplas. Por vezes (e muitas vezes) ela é resposta a questões e problemas que estão no cotidiano, na subjetividade, nos sonhos e utopias dos indivíduos e dos grupos sociais que optam pelo deslocamento”[1]
Na perspectiva dos indivíduos, a migração é fenômeno alimentador de esperanças e sonhos, mas que deixa rastros de lágrimas e dores. Todos nós, certamente, já experimentamos a dolorosa sensação de deixar para trás o seu “lugar”, histórias e entes queridos. Não à toa os poetas se referem ao mar como “lágrimas de sal” deixadas como rastros daqueles que o enfrentaram em busca de esperança de vida nova.
Entretanto, nesta edição do nosso Prata da Casa, convidamos o leitor à reflexão sobre outro tipo de “rastro” deixado por imigrantes, sobre o qual só refletimos quando dele necessitamos: os registros documentais deixados por aqueles que um dia, por ato de vontade ou por força das circunstâncias, tiveram que deixar o seu “lugar” que, independente de nacionalidade, é a sua pátria, no sentido dado por Guimarães Rosa:
Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…
(Revolta, Guimarães Rosa)
O setor de certidões de imigração no APESP
O setor do APESP voltado para a pesquisa e produção de certidões baseadas na documentação de imigrantes é muito movimentado. Mensalmente, cerca de 800 pessoas, em média, buscam esse serviço no Arquivo.
Foto: Editoria/APESP

Aparecido de Oliveira é o diretor do NAsP e trabalha há 25 anos no Arquivo do Estado. Ele já passou pelos setores da microfilmagem, de paleografia, do arquivo permanente e de atendimento ao público. Assim ele se refere ao público que demanda os serviços do setor atual sob sua responsabilidade:
A maior parte das pessoas que vêm aqui é interessada em adquirir dupla cidadania para os filhos, netos ou para si. Muita gente faz a busca para fins de naturalização. Tem estrangeiros que estão aqui no Brasil que precisam regularizar sua situação comprovando que estão há mais de quinze anos no país. Então, este público aparece por saber que quem ele procura tem registro na delegacia especializada de estrangeiro, ou que tem registro da chegada no desembarque em Santos e alguns que sabem que passaram pela hospedaria dos imigrantes. Alguns buscam informações até para processo de aposentadoria.
Como podemos perceber, o Arquivo é procurado em grande parte, por pessoas em busca de documentos probatórios para finalidades de seus interesses. Mas, Aparecido ressalva: somos demandados também por historiadores e pesquisadores de outras áreas, mas é em número bem menor.
No organograma do APESP o Núcleo de Assistência ao Pesquisador é vinculado ao Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa, conforme ilustração a seguir:
Na verdade, a gente faz parte do setor de Difusão, mas temos interface muito grande com o setor que faz o tratamento arquivístico da documentação textual, complementa Aparecido.
São expedidas certidões baseadas em três diferentes fontes: certidão com base nos livros de matrícula da hospedaria dos Imigrantes; produzimos certidão a partir dos dados da lista de desembarque do Porto de Santos; e temos a certificação produzida com base na Delegacia Especializada de Estrangeiro; além de outros documentos que possam ajudar a pessoa que pleiteia cidadania; ou quando esta precisa da comprovação de nomes de imigrantes; ou, ainda, para fins de inventário, Enfim, são diversas as motivações que nos levam a produzir certidões com base nas informações que se encontram nos documentos custodiados pelo APESP.
Quando há emissão de certidão, cobra-se taxa com valor único (consultar: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/ site/ institucional/ servicos)
Além dos documentos que podem gerar certidões probatórias, há aqueles com potencial de informações para localização/identificação de pessoas: documentos dos núcleos coloniais; processos protocolados na Secretaria de Agricultura; documentos de relações de trabalho entre outros.
Trajetória da documentação até o Arquivo
O processo de acumulação de documentos produzidos por órgãos do Estado de São Paulo no Arquivo é bem tortuoso, como costuma acontecer com toda documentação pública na história administrativa.
Em decorrência do fim da escravidão, desde o último quartel do século XIX o Estado paulista montou enorme mecanismo institucional para viabilizar o deslocamento de imensas quantidades de trabalhadores para São Paulo, com criação de estruturas administrativas, elaboração de legislação e montagem de equipamentos. O destino dessa força de trabalho era o complexo produtivo agrário do café e em menor grau as empresas urbanas e também colônias agrícolas. As estruturas administrativas voltadas para a imigração foram vinculadas à então poderosa Secretaria de Agricultura e Obras Públicas.
Núcleo Iconográfico/Acervo APESP

A Hospedaria dos Imigrantes teve suas atividades encerradas em 1978 e em 1993, no mesmo prédio, é criado museu dedicado à memória da imigração. A documentação acumulada durante o seu funcionamento como órgão voltado para abrigar e distribuir o fluxo migratório ficou na instituição.
Com as reformas no prédio na antiga hospedaria, a documentação arquivística guardada no museu foi recolhida ao Arquivo Público do Estado e, a partir de então, passou a receber tratamento arquivístico para viabilizar melhores condições para recuperação da informação e disponibilização para o grande público interessado em provas ou pesquisa histórica.
Para Aparecido, essa documentação está no lugar certo, pois ela compõe o Fundo Secretaria de Promoção Social e não é recomendável a dissociação desse Fundo. Os documentos foram acondicionados e se encontram guardados sob a custódia do APESP, que agora é responsável pelo atendimento ao público e emissão de certidões. Segundo o diretor do Núcleo, essa transição não foi nada fácil e implicou em estruturação de espaço e de equipe de atendimento para a crescente demanda de pedidos de certidões.
Durante o período de mudança da instituição de custódia e o tempo de adaptação do APESP, houve um período sem atendimento, por isso, quando este foi retomado, com a disponibilização no sítio eletrônico do Arquivo Público do Estado, o número de pesquisas e de interessados era muito grande, pois havia uma demanda represada. Conforme depoimento de Aparecido, no começo, o atendimento era só presencial, depois passou-se a atender por e-mail, mas sempre orientando para que a pessoa viesse presencialmente para preencher o formulário e formalizar esse pedido. Eram demandas do país inteiro e de outras partes do mundo.
O inventário dessa documentação já está disponível em nosso guia, descrito na Secretaria de Promoção Social (ver: http://icaatom.arquivoestado.sp.gov.br/ ica-atom/ index.php/ secretaria-da-promocao-social;isad).
Rastros documentais legados
Imagine-se o universo de documentos produzidos na primeira metade do século XX para registrar as várias etapas de processo migratório legal de um indivíduo da Europa até o Brasil! Eventuais atualizações dos registros civis do cidadão em seu país; solicitação/pedido de autorização para deixar o país; emissão/regularização de passaporte; registros consulares; tíquetes de viagem; registros dos pertences do viajante; a documentação produzida pela empresa de transporte e também pelo órgão do Estado concessionário dos portos e navios, órgãos de controle, como a polícia; fiscalização e registro do imigrante no Brasil; alocação do trabalhador nas lavouras, colônias ou fábricas; registros de reclamações e denúncias, os documentos pessoais e objetos pessoais e de familiares como livros, jornais, correspondências particulares e tantos outros registros.
Feito esse esforço imaginativo sobre registros documentais decorrentes do processo imigratório, vejamos o que o diretor Aparecido nos diz sobre tipos documentais que efetivamente restou sob a guarda e custódia do APESP, necessários para fins de comprovação.
Posso listar alguns dos tipos de documentos que guardamos aqui: pedidos de ressarcimentos de passagens, cartas de chamada, livros de matrículas, processos protocolados na Secretaria de Agricultura e Obras Públicas, listas gerais de passageiros, livros de matrícula da Hospedaria de Imigrantes, registro de chegada de vapores no porto de Santos, livros de matrícula da Inspetoria de Imigração, correspondências de imigrantes, declarações para chamada de imigrantes e certificados de autorização de desembarque, ofícios, relatórios, livros de registro das famílias assistidas, boletins de registro de movimento dos assistidos, fichas e prontuários de assistidos, documentos de comprovação de identidade, fichas de registro de imigrantes e refugiados, fichas de concessão de auxílio financeiro e recibos de pagamento de auxílio a assistidos e tantos outros.
Geraldo e Aparecida
Maria Aparecida e Geraldo José de Almeida, com ascendência italiana, dirigiram-se ao Arquivo em busca de documentação do seu bisavô para fins de dupla cidadania.
Preciso de um documento oficial onde conste a data de nascimento do meu bisavó. Já fomos em vários lugares, estivemos no Arquivo Municipal, na Tiradentes, mas lá há somente documentos de óbitos e lá eles indicaram este arquivo. E aqui foi onde conseguimos mais informações. Identificamos o navio que aportou, quem veio foi meu bisavó com minha bisavó e 3 filhos. Aos poucos vamos obtendo mais informações pra montar o quebra cabeça, porque na cidade de origem deles, que é Orsogna, na província de Chieti, na Itália, eles não te dão informação se não fornecer a data de nascimento. Nós passamos pra lá um e-mail informando o ano, mas eles devolveram dizendo que não têm nada, mas, na verdade, eles não procuram se não informarmos a data certa. Fui no consulado da Itália hoje de manhã, mas eles não falam nada, por ser de 1860, eles não têm essas informações, disseram para procuramos nas paróquias de Orsogna. Aqui no Arquivo é o primeiro lugar que estamos sendo bem atendidos, a Daniele [da equipe deste arquivo] passou informações de grande valia, e vamos continuar procurando, porque é um quebra cabeça que não é fácil não. E aqui foram abertas algumas outras possibilidades de pesquisa, inclusive me informaram que existe um arquivo de possíveis votantes da época.
Foto: Editoria/APESP

O cidadão não faz ideia das dificuldades para se pesquisar informações básicas de algumas gerações passadas não tão longínquas. É nessas horas que nos deparamos com a necessidade de encontrar arquivos organizados.
Por este motivo, o cidadão é acolhido no Arquivo e orientado a abrir outras possibilidades de pesquisa, como por exemplo: buscar registros profissionais, registros eleitorais, instituições de saúde e registro policial, principalmente àquela época em que os estrangeiros eram vistos com desconfiança por órgãos do estado e, consequentemente, produziam-se registros sobre a vida dos cidadãos.
O dia a dia no setor
Recepcionar o demandante, presencial ou virtualmente, é ação que desencadeia uma sequência de tarefas que envolvem procedimentos burocráticos simples, entrevista, pesquisas e produção de certidões. Aparecido assim explica:
A primeira coisa é a pessoa trazer todas as informações sobre o familiar que busca: pai, avó, bisavô, ou aquele responsável pelo grupo familiar no momento do desembarque. Os primeiros registros que buscamos está em um banco de dados dos livros de matricula da hospedaria, que é indexado pelo nome do imigrante, com o nome do navio. Geralmente, tinha o nome do pai ou nome do chefe do grupo e depois o nome dos demais componentes. Então, às vezes, a pessoa procura uma avó, mas a avó era criança quando chegou, então a gente procura buscar ali naquelas informações primeiro o nome do responsável pelo grupo familiar.
Outra modalidade de pesquisa para localização de imigrantes ocorre nas fichas da Delegacia Especializada de Estrangeiros que, na maioria das vezes, é onde constam informações sobre a chegada do imigrante, sua filiação e outras informações pessoais.
Mas a dificuldade começa com a grafia dos nomes. O nome do antepassado é a chave de entrada para a busca. Entretanto, Amélia pode ser Emília, Vicenzo pode ser Vicente ou vice-versa, Bizello, pode ser Bizelo, ou Vizello. A localização de um determinado nome requer cruzamento com informações de outros documentos para se certificar que o nome encontrado nas listas se refere à mesma pessoa que se busca. Um atestado de óbito, documento de votação ou outro. Porque a gente só certifica da forma que está o original, a certidão é emitida com as informações exatas que constam no documento original. Então, é o interessado que vai juntar este quebra-cabeça a partir das informações que possui, a serem analisadas por quem de direito: consulado, quando para fins de cidadania; polícia federal no caso de naturalização; o INSS quando a finalidade é aposentadoria e assim vai. Estes verificam se é a mesma pessoa, a partir do cruzamento com informações como a data de chegada, a idade, o grupo familiar. Isso é que vai mostrar se Amélia e Emília são a mesma pessoa, que o Vicenzio e o Vicente são a mesma pessoa. Imagine os nomes de iugoslavos, austríacos e japoneses em que a grafia da língua é bem diferente da nossa; aí, tem aquele “ruído” na hora que o funcionário foi registrar lá no livro de matricula o nome pelo som por ele assimilado! Às vezes, a pessoa não trazia nem documento de comprovação, conclui Aparecido. Por isso, orientamos a pessoa que busca no banco de dados tentar as possíveis variações, letras dobradas, a forma que foi escrita, quer dizer, é tentar colocar partes do nome que ele busca, nomes comuns e ali você pode encontrar, é uma pesquisa mesmo.
Foto: Editoria/APESP

A equipe e divisão de tarefas
Foram muitas as pessoas que atuaram na organização e no atendimento desse setor e deixaram as marcas de suas boas práticas e lembranças. Há que se destacar os nomes de Ângela Timóteo, Luís Felipe Foresti, Kátia Barbosa e Maira Oliveira que atuaram aqui por muitos anos. Porém, atualmente a equipe está composta por Aparecido, que é o diretor do Núcleo, Valéria Santiago, Ana Cláudia Duarte, Rosemeire dos Santos, José Teodoro (Júnior), Juliana de Sousa e Daniela Rafael.
Todos atendem o público e são capacitados igualmente para realizar todas as etapas dos trabalhos do núcleo até a produção da certidão: como gerar o protocolo, atender e orientar o público, pesquisar no acervo e produzir certidões.
Porém, tem parte da documentação que impõe dificuldades na leitura por ser manuscrita em linguagem e estilos de época, que requerem a especialidade da (leitura paleográfica e, então, recorrem à habilidade de Aparecido. Quando os funcionários precisam de ajuda, eu mesmo faço a transcrição[2].
Valéria explica detalhe importante: há muito mais pedidos realizados do que certidões emitidas. Esses pedidos geram pesquisa, mas nem sempre resultam em certidões, pois a informação que consta no documento é muito simples, só o nome, por exemplo. Na maioria das vezes a gente explica que é só aquilo que ele vai obter, então, o atendimento para por aí e não é gerada certidão.
Ana Cláudia veio de outro setor e está aqui desde janeiro de 2015. Hoje ela se dedica mais à certidão de listas de bordo, ou certidão de desembarque. Conforme ela diz, aprendi aqui no setor, com a ajuda das colegas. São listas muito procuradas e temos o prazo de 10 dias úteis para entregá-las, complementa Ana Cláudia. Juliana já está há um ano e seis meses no setor o classifica como bem interessante, parte da história do nosso país. Muita gente de outros estados e do estrangeiro pede informações por e-mail. O atendimento presencial muitas vezes é necessário, porque tem algumas informações que vão além daquilo que está disponível no site. Daniela começou em outubro neste setor e veio do Centro de Arquivo Administrativo. Disse não ter encontrado dificuldades para se adaptar ao serviço. Não é um trabalho fácil para se fazer, pois temos que fazer pesquisa, trabalhar com dados pessoais e manter o máximo de atenção. A gente pesquisa, tira dúvida com outro colega para ver se é mesmo aquilo e se ajuda bastante aqui, conclui Daniela.
Já a Rose atua mais no registro, mas se precisar diz estar apta a fazer todas as etapas do trabalho. Ela mostra documento da segunda delegacia especializada de registro de estrangeiro, quando a partir 1939 o imigrante passou a ser obrigado a ter o cartão de imigração para gerar o modelo 19/20 da época. Há descendentes de imigrantes que nos procuram para comprovar que tem residência aqui. Algumas pessoas querem saber a cidade de origem, isso dificilmente consta nos registros, são pouquíssimas as certidões de hospedaria que contêm essa informação sobre o local de nascimento.
Mas, e quem mora fora de São Paulo e encaminhou seu pedido pela internete, como faz para pegar a certidão? Junior, que está há dois anos no setor, assim responde: quem está aqui em São Paulo tem que vir retirar aqui no Arquivo Público. Enviamos a certidão pelo correio para aqueles que moram no interior mais distante da capital ou em outros estados. Não enviamos pelo correio para outros países, sempre orientamos a pessoa que está fora do país indicar alguém aqui no Estado de São Paulo que tenha um endereço para que possamos enviar a correspondência.
O diretor Aparecido fala de aperfeiçoamento técnico que facilitou muito os trabalhos no setor: com o auxílio da nossa TI, em 2016 desenvolvemos uma plataforma virtual que agilizou e organizou muito o nosso trabalho, em substituição às planilhas do Excel e do livro de protocolo que era preenchido à mão. Para se ter uma ideia, em um ano e meio a gente acumula 13 mil para 14 mil pedidos de requerimento de pesquisa. São cerca de 800 requerimentos por mês em média.
Documento de arquivo: prova/direitos e testemunho/memória
Além dessas informações de uso primário, que servem como provas para diversos fins, os documentos registram marcas de uma época que só podem ser recuperadas pelo esforço de memória e por aqueles que se dedicam à produção historiográfica. Aqui temos imagens da hospedaria com suas baias, onde os funcionários atendiam aqueles recém-chegados, com suas famílias e seus pertences. Tem um relatório de funcionário da hospedaria em que ele se refere ao aglomerado de pessoas, gente falando línguas das mais diversas, grupo de italianos, japoneses, de portugueses e muita gente misturada. Pessoas que saíram de lá achando que saíram de um país e quando chegam aqui (Brasil) a geografia da Europa já mudou por alguma razão, seja guerra, revolução ou outras questões políticas. E no mapa, o que era Polônia não é mais Polônia; tem gente que eu já atendi aqui que disse: “olha eu nasci na Polônia, mas hoje não sei o que é, entendeu? Mudou a fronteira”.
Aparecido ainda complementa: aqui a gente ouve relatos, comprovados por documentos que temos da hospedaria, que revelam as propagandas no estrangeiro do que seria a realidade aqui no Brasil, mas quando o imigrante chega, essa realidade é bem diferente, é de muita exploração e sofrimento. Algumas pessoas reclamavam das condições de vida, que se fez uma propaganda e eles vieram para cá, mas não havia estrutura.



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Com a palavra, o diretor prata da casa, Aparecido:
Foto: Editoria/APESP

Eu acho que o nosso trabalho é importante para o reforço do sentimento de cidadania. O que aqui fazemos ajuda a pesquisa para composição da genealogia familiar, isso tem a ver com a busca de identidade e nós ajudamos, pois essa identidade pode ser alimentada por um registro que precisa ser encontrado aqui no Arquivo do Estado; cidadania que também se revela na busca pela naturalização, ou para a pessoa que precisa de prova para sua aposentadoria, para ter acesso à saúde; aqui se consegue comprovar com estes documentos que podem garantir a dupla cidadania; é um sonho que a pessoa tem e às vezes consegue realizar obtendo uma documentação que ela descobre que está aqui disponível. Mas também, nos sentimos gratificados quando ouvimos histórias de vidas, histórias de muitas pessoas que se sentam aqui para falar com a gente, que se emocionam quando encontram uma lista de desembarque, um antepassado que era um bebezinho e que às vezes não chegou com vida, de quem já tinham ouvido falar e está aqui registrado. Direito à história dos seus antepassados faz parte dos direitos humanos e parte disso pode estar ali numa lista, num processo de requerimento de lote, ou documentação de núcleo colonial; ele encontra aqui e resgata essa história. Então, isso tudo compensa o trabalho pesado e contínuo que fazemos aqui. É um trabalho duro, mas quando a gente consegue encontrar uma informação, consegue ajudar alguém, é uma coisa emocionante envolvente.
Pois bem, além de tudo isso citado por Aparecido, o setor de certidões acaba por também promover o Arquivo Público do Estado de São Paulo. Uma instituição estratégica para a garantia de direitos, inclusive o direito à memória, mas que muita gente não conhece e passa a entender a importância da organização dos arquivos ao visitar o setor de certidões.
Notas
- [1] Odair da Cruz Paiva. Histórias da (I)migração: Imigrantes e Migrantes em São Paulo entre o final do século XIX e o início do século XXI. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2013, p. 9 e p 14, respectivamente. Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/ site/ assets/ publicacao/ anexo/ historias_da__i__migracao.pdf
- [2] Sobre leitura paleográfica, ver edição nº 1 da Revista do Arquivo, seção Prata da casa: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/ revista_do_arquivo/ 01/ prata_da_casa_02.php