Teatro
Com a estreia de sua segunda peça, Vestido de Noiva, em 1943, Nelson Rodrigues, em parceria com o encenador polonês Ziembinski, protagonizou o salto à modernidade que os palcos brasileiros ainda estavam devendo – considerando-se que as outras artes já o tinham feito em 1922.
A modernidade se deu, por um lado, no próprio texto dramatúrgico pela ação simultânea em três planos, pelo diálogo ágil, coloquial, “brasileiro”, por uma inspiração na narrativa de ritmo cinematográfico, enfim, inovações realizadas por um autor descompromissado com tradições, até porque era um novato na área. Por outro lado, a modernidade também se deu na encenação, por meio das técnicas europeias trazidas por Ziembinski, que compreendeu, antes de tudo, as potencialidades do texto, e também desenvolveu no palco uma encenação de tom expressionista, logrando com atores amadores mudanças de estilos de interpretação conforme o plano a que pertencia cada cena (da realidade, da memória ou da alucinação). Outro sinal de modernidade esteve na exploração da “arquitetura cênica” do pintor e cenógrafo Tomás Santa Rosa e até mesmo pelo complexo, para a época, uso da iluminação.
Meses antes da estreia, Manuel Bandeira escreveu sobre a peça em A Manhã, em 6 de fevereiro de 1943, um jornal que havia pertencido ao pai do dramaturgo e onde ele mesmo começara como repórter policial aos 13 anos: “Se for bem aceita consagrará... o público”.[1]Artigo de Manuel Bandeira no jornal A Manhã de 6 de fevereiro de 1943, citado e transcrito por MAGALDI, Sábato. Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações. São Paulo: Editora Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1987. p.12.
Pois se o sucesso o consagrou a partir de então, Nelson Rodrigues, ao escrever e apresentar suas 17 peças, enfrentou vaias e a censura. Em certo período o autor reage e radicaliza, cunhando para Álbum de Família, Anjo Negro e Senhora dos Afogados o termo “Teatro Desagradável” ou “Peças Desagradáveis”: “... obras pestilentas, fétidas, capazes por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia.”[2]Citação e transcrição por Sábato Magaldi de artigo do próprio Nelson na revista Dionysos, nº 1, 1949. Uma publicação do Serviço Nacional de Teatro. MAGALDI, Sábato. Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações. São Paulo: Editora Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1987. p. 12.
Nos arquivos do jornal Ultima Hora há conjuntos de imagens oriundas de missões fotográficas relativas a peças teatrais de Nelson Rodrigues. A despeito de ele ser um jornalista da casa – chega em 1951 – e quem sabe ter merecido deferência dos colegas, tais fotografias talvez revelem uma prática que se não desapareceu, pelo menos diminuiu consideravelmente, qual seja, a de a imprensa acompanhar um espetáculo teatral desde bem antes de sua estreia e até mesmo revisitá-lo depois.
Ao contrário do que se vê geralmente publicado, não são fotografias de estúdio ou cenas de espetáculo. Temos, assim, para a peça Senhora dos Afogados, o registro de uma leitura dramática em 12 de março de 1953, dos ensaios em 29 de maio de 1954 e ainda dos cumprimentos recebidos pelo autor e elenco após uma das apresentações, em 30 de junho de 1954. Soma-se a isso o registro de Nelson autografando o livro contendo a mesma peça e A Falecida, em 15 de fevereiro de 1960. Como muitas vezes acontece, o texto teatral cumpriu, assim, seu destino cênico antes de virar livro.
Senhora dos Afogados foi escrita em 1947, e, tendo sido interditada pela censura e depois se tornado um projeto abandonado pelo Teatro Brasileiro de Comédia paulista, só veio a estrear em 1954, com direção de Bibi Ferreira, com Nathália Timberg e Sonia Oiticica no elenco. Inspirada em Electra Enlutada, do dramaturgo norte-americano Eugene O’Neill, que por sua vez havia atualizado a trilogia grega A Orestiada, de Ésquilo, a peça mostra, assim como no mito dos Átridas, uma família inexoravelmente fadada aos incestos, vinganças e assassinatos. O autor utilizou-se de diversos recursos formais advindos da linguagem da tragédia grega, como, por exemplo, o coro (na verdade dois – um coro de vizinhos bisbilhoteiros, outro de prostitutas). Foi um escândalo, e Nelson foi deixado por muitos de seus partidários.
Para A Falecida temos registros de ensaios, em 2 de fevereiro e 9 de junho de 1953, da primeira montagem pela Companhia Dramática Nacional dirigida por José Maria Monteiro, com Sônia Oiticica (Zulmira) e Sergio Cardoso (Tuninho) como protagonistas. Inaugurando uma nova fase, a das tragédias cariocas, o dramaturgo procurou ancorar suas personagens no cotidiano da zona norte do Rio de Janeiro. Isso sem abandonar suas técnicas expressionistas, sua exploração do inconsciente e do mítico ou seu olhar trágico. Aqui, um casal sem perspectivas – a mulher, Zulmira, obcecada pela própria morte e pela inveja da prima Glorinha, e o marido, Tuninho, fanático torcedor de futebol – engendra uma torrente de engodos e vinganças.
Da peça Boca de Ouro, encontramos imagens de ensaios em 17 de janeiro de 1960, da segunda montagem da peça dirigida por José Renato, quando a interpretação de Milton Moraes, da figura típica do subúrbio carioca, o bicheiro, obteve muito êxito. Nessa peça, da fase de tragédias cariocas, Nelson retomou o recurso narrativo fundado em planos múltiplos, plasmando a cena a partir da subjetividade de uma personagem (quase como em Vestido de Noiva). Desta vez, a ex-amante, D. Guigui, narra a repórteres três versões diferentes da vida do bicheiro após sua morte miserável sem seus dentes de ouro.[3]RODRIGUES, Nelson. Teatro Completo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1985.
Veja parte dessas missões fotográficas na Galeria de Imagens.
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