Intérpretes do Acervo

Débora do Nascimento

História Social e violência contra a mulher
Foto: arquivo pessoal
Débora do Nascimento

Contato com fontes primárias (re)definiu pesquisa

Débora do Nascimento era mais ligada à História Oral e consultas a acervo de bibliotecas e hemerotecas e ainda não tinha frequentado o ambiente de arquivo como pesquisadora. Sua primeira experiência de pesquisas em arquivo foi justamente no APESP, por indicação de colega de doutorado que, sabendo de sua pesquisa, indicou consulta nos Arquivos de Laudos de Exame de Corpo de Delito. Inicialmente a proposta da pesquisa era trabalhar com processos criminais. Todavia, ao deparar com os laudos de Exame de corpo de delitos e a riqueza das informações que eles continham, acabei desistindo do trabalho com processos criminais e elegi os Laudos de Exame de Corpo de Delitos como fonte principal da minha pesquisa. No mesmo Arquivo foram encontrados alguns inquéritos policiais no Acervo da Polícia, estes inquéritos também foram usados na pesquisa, mas de modo secundário.

Pesquisa científica e cultura: encontro e encanto

A primeira vez em visita como pesquisadora no APESP aconteceu em 2017, quando estava em cartaz, no 1º andar, na antessala do salão de consultas do Arquivo, a singela exposição organizada pela equipe de Editoria:

Quando cheguei no Arquivo estava ocorrendo a exposição da Revista Feminina, foi uma exposição bastante interessante, porque eu, por ser acreana, conhecia muito pouco da cidade de São Paulo e as exposições me ajudaram a conhecer melhor a História de São Paulo. Além das exposições, ocorreram palestras e seminários, eventos que me ajudaram a ampliar meus horizontes para além da pesquisa nos acervos. O Seminário sobre a loucura também ocorreu no período em que eu estava fazendo pesquisas e pude participar, e foi bastante enriquecedor.

Atendimento é crucial para uma boa pesquisa

Foto: arquivo pessoal
Imagem de documento do acervo do APESP

Débora afirma não ter encontrado dificuldades na sua primeira experiência com os documentos de arquivo. Ela se concentrou, fundamentalmente, nos arquivos da Polícia Técnica, mas também, em menor proporção, nos Inquéritos policiais, ambos encontrados no Arquivo do Estado.

Eu me dirigi ao Arquivo sabendo que tipo de fonte procurar, minha maior dificuldade foi em sistematizar uma forma de explorar um acervo tão vasto como o Acervo Polícia Técnica. Inicialmente, senti-me meio perdida, como é normal em todo início de pesquisa, mas contei com o apoio dos atendentes do Arquivo e em especial de Ricardo da Silva Santos, que me prestou informações sobre aspectos da história da construção do arquivo da Polícia Técnica. Uma real dificuldade foi relacionada aos documentos manuscritos, por eu não ter curso especifico de leitura de documentos antigos, em vários momentos eu precisei de funcionários do arquivo para tradução. Aparecido ajudou bastante na leitura dos laudos médicos escritos por escrivães de polícia, com a linguagem da época. Essa dificuldade se dissipou quando os documentos começaram a ser datilografados.

Mergulho no pesado ambiente de ocorrências policiais

Durante aproximadamente 8 meses, Débora se debruçou na análise dos Laudos de Exames de Corpo de Delito arquivados no Acervo Polícia Técnica.

Os laudos eram documentos produzidos na própria delegacia de polícia, onde também funcionava o Gabinete Médico Legal. Os médicos legistas realizavam exames de corpo de delito seguindo a tipologia dos crimes arrolados no Primeiro Código Penal brasileiro. Os principais exames eram de lesão corporal, homicídio, sanidade mental, violência carnal, infanticídio, aborto, envenenamento, estupro e defloramentos. Os laudos de exame de corpo de delito eram uma peça que compunha o inquérito policial, mas que foi arquivada separadamente. Já os três inquéritos policiais encontrados faziam parte do Acervo da Policia nos primeiros anos da República.

Este crime era legitimado pelo Código Penal, Código Civil, pelos saberes científicos da Medicina Legal, pela moral e pelos bons costumes daquela época. A virgindade feminina era uma questão médica, policial, física, social. Naquele período, o Código Penal assegurava que apenas as mulheres “honestas” mereciam a proteção da polícia e da justiça. Por isso, apesar de vítimas de um crime, era a conduta delas que era investigada e seus corpos escrutinados nos Gabinetes Médicos Legais, porque aquela sociedade acreditava que a “má conduta” e a “honestidade” poderiam ser identificadas na anatomia do corpo, no aparelho genital feminino, por isso o trabalho de examinação dos médicos legistas era imprescindível para a investigação policial.

O recado da acreana Débora do Nascimento aos novos pesquisadores

Eu aconselho o pesquisador a deixar as fontes conduzirem a pesquisa e estar flexível para reformular seus conceitos a partir do que as fontes disserem. Eu, por exemplo, cheguei no Arquivo crendo que a maioria das vítimas do crime de defloramento eram mulheres negras e ou operárias. As fontes mostraram que a maioria das vítimas era mulheres brancas e empregadas domésticas. Com isto eu reformulei alguns referenciais teóricos e fui deixando as próprias fontes mostrarem a versão da verdade produzida no passado. O segredo para uma pesquisa bem-sucedida é “dar voz” as fontes.

Produtos e resultados de suas pesquisas nos arquivos

A pesquisa no APESP resultou em trabalho acadêmico que está em fase de finalização de doutoramento sobre a história das mulheres, estudada a partir do crime de defloramento na cidade de São Paulo, no período de 1900 a 1932.

Além de vários artigos, tem livros e capítulos publicados:

Livros:

  • NASCIMENTO, D. S.. A Mulher do Sindicato: Militâncias de Valdiza Alencar nos Seringais Acreanos. 1. ed. Rio Branco: EAC Editor, 2017. v. 1. 153p .
  • NASCIMENTO, D. S.; VASCONCELOS, E. H. B. (Org.) ; SILVEIRA, D. O. (Org.) ; SOARES, A. L. (Org.) . O Local - Imaginário e Real: Escritos sobre Historia Regional. 1. ed. Curitiba: Prismas, 2017. v. 1.
  • NASCIMENTO, D. S.; LIMA, R. B. (Org.) ; OGANDO, L. P. (Org.) . Uma História do Acre em retalhos. 981. ed. Rio Branco: Editora da Universidade Federal do Acre, 2014. 56p .s

Capítulos de livros publicados:

  • NASCIMENTO, D. S.; Morais, Genilson Antonio . Uma Breve História da Submissão Corporal. In: Daniel Santos Costa. (Org.). Estudos Sobre o Corpo. 1ed.Jundiaí: Paco Editorial, 2017, v. 33, p. 31-41.
  • NASCIMENTO, D. S.. As Mulheres na Historiografia da Amazônia Acreana. In: Eduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos; Diego Omar da Silveira; Débora Souza do Nascimento Morais; Ana Lorym Soares. (Org.). O Local - Imaginário e Real: Escritos Sobre História Regional. 1ed.Curitiba: Prismas, 2017, v. , p. 109-118.
  • NASCIMENTO, D. S.. Monteiro Lobato e Identidade Nacional: contrassensos.. In: Luis Fernando Tosta Barbato. (Org.). Identidade Nacional Brasileira: história e historiografia. 1ed.JundiAÍ: Paco, 2016, v. 1, p. 135-153.
  • NASCIMENTO, D. S.. Encontros e desencontros de mais um Paraíso Perdido. In: NASCIMENTO, Luciana;LOBO Andrea Maria Favilla. (Org.). Mosaicos da cultura brasileira. 981ed.Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012, v. , p. 222-.