Apresentação Dossiê
Panorama dos arquivos de instituições de saúde do Estado de São Paulo
Entrevista com Sandra Gonik e Fernando Meyer

Sandra Gonik e Fernando Meyer são funcionários concursados, executivos públicos, muito tempo atuam na Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Desde 2014 se dedicam exclusivamente à Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso dessa Secretaria. Mais que funcionários dedicados, são militantes engajados à causa dos arquivos.

Gonik e Meyer ambos concederam entrevista para esta edição da Revista do Arquivo que ora é apresentada de forma editada em narrativa unívoca, que expressa as ideias de ambos.

Recomendamos, também, a leitura da ótima entrevista que eles concederam, na edição nº 3 da Revista:
http://bit.ly/2GPx0YO

Foto: Foto: arquivo pessoal

Sandra Sotnik Gonik

Sandra Sotnik Gonik

Entrevistada em 16/08/2016) Bacharel em História; atualmente está no cargo de Executivo Público na Secretaria de Estado da Saúde e membro da Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso da Pasta.

Foto: Foto: arquivo pessoal

Fernando A. de Oliveira Meyer

Fernando A. de Oliveira Meyer

Entrevistado em 16/08/2016 - Bacharelado e licenciado em História; mestre em História Social. Hoje está lotado no cargo de Executivo Público na Secretaria de Estado da Saúde, e é membro da Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso da Pasta.


Contem para o nosso leitor o que é e o que faz uma Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso (CADA)?

A Comissão de Avaliação de Documentos e Acesso (CADA) procura assessorar servidores e gestores nas demandas relativas à gestão documental nas suas atividades cotidianas, realizado por meio de treinamentos, orientações, acompanhamento das eliminações de documentos públicos, apoio às classificações para cadastrar documentos no SPDoc. [*] Também atuamos junto ao Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) da Pasta, para tratar de casos específicos de acesso e temos sido cada vez mais acionados para apoiaras ações dos órgãos de controle como a Corregedoria Geral e Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Vocês são servidores dedicados exclusivamente à CADA (fato raro na administração) e têm contato com parte significativa do acervo documental da Secretaria de Estado da Saúde, certo? Falem um pouco desse contato de vocês com esse imenso arquivo.

Sim. A nosso ver, uma decisão importante e bastante acertada da Administração, patrocinada pelo Coordenador da CADA, Sr. Marcelo Nascimento de Araújo, para que a Gestão Documental fosse exitosa, no que diz respeito à sua disseminação por uma Secretaria tão enorme. Nosso contato com o acervo documental da Secretaria de Estado da Saúde se dá basicamente quando realizamos visitas técnicas às unidades para realizar treinamentos e eliminações de documentos originários das Atividades-Meio realizadas pela Pasta. É nesse momento que entramos nas áreas de guarda e verificamos suas condições e também as dos documentos. Outro contato importante com a documentação produzida pela Secretaria ocorreu durante a elaboração do Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade de Documentos de Atividades-Fim, conversando com os seus produtores, analisando sua origem, ciclos de vida e destinação. Assim, por meio dessa análise, descobrimos o que é, e como funcionam vários de seus órgãos. Claramente, o que chamou a atenção foi o tamanho da massa documental, sua diversidade e riqueza de dados e informações sobre a realidade.

São arquivos das três idades dos documentos: correntes, intermediários e também arquivos de guarda permanente (históricos), não é mesmo?

Foto: CADA/SES

Sandra em capacitação de servidores da Secretaria de Saúde

Sandra em capacitação de servidores da Secretaria de Saúde


Correto, mas geralmente estão misturados. Poucas são as unidades da Pasta que já tiveram ou têm recursos humanos e condições físicas para organizar sua massa documental, acumulada durante décadas e quase sempre de uma forma distinta da preconizada pelas normas criadas nestes últimos vinte anos. O esforço de disseminação da gestão documental ganhou intensidade a partir de 2013/2014, com o surgimento da Lei de Acesso à Informação e hoje estamos no caminho de colocá-la na rotina das unidades. A implantação do SPDOC na Secretaria de Saúde reforçou mais ainda esta ação.

Em 2016, vocês concederam entrevista para a edição nº 3 desta Revista. Ali vocês falaram que estavam estudando tipos documentais da Saúde para elaboração de tabela de temporalidade. E, então, como está o andamento da elaboração do Plano de Classificação e da Tabela de Temporalidade das atividades finalísticas da Saúde?

Está na fase final. A Tabela já tem uma “cara”. A disponibilização por parte do CGDSAESP [**] da Ficha de Análise Tipológica e o ganho de experiência para obter as informações dos profissionais foram fundamentais para conseguirmos avançar no trabalho. Ter as informações sobre a atividade que gera determinado documento, sua tramitação e suas características, no mesmo lugar facilitou demais nossa organização e produção. Visitamos as diversas unidades da pasta que realizam Atividades-Fim, cada setor dentro delas foi visitado e conversamos com servidores para recolher informações sobre a rotina de trabalho e produção documental. Saber para quem perguntar, o quê perguntar e como perguntar, são detalhes importantes e, nesse sentido, a ficha balizou e não podemos deixar de atentar que vagarosamente assimilamos os conceitos e o “mundo” – pelo menos o necessário - dos profissionais da saúde. Mundo marcado por conceitos técnicos peculiares que exigiu incursões de nossa parte em diversos saberes. No final do dia estávamos exaustos, mas exultantes com o resultado. Aprendemos muito e ensinamos um pouco de Gestão Documental também. Foi um trabalho rico, bonito e altamente satisfatório. Agora estamos terminando de condensar essas informações no formato do Plano de Classificação de Documentos e da Tabela de Temporalidade.

Desde então, vocês acham que houve bastante avanço no trabalho de vocês junto à Secretaria?

Sim. Demos treinamento sobre gestão documental em todas as unidades da Pasta existentes até meados de 2017, quando passamos a focar na elaboração da Tabela. Algumas unidades foram visitadas mais de uma vez e teremos que visitar os Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME) e hospitais inaugurados depois desse período. Um trabalho de troca de conhecimento que não termina. A relativa facilidade com que o SPDOC foi implantado na Secretaria reflete a positividade do nosso trabalho. Houve questionamentos sobre classificação de documentos, mas a maioria das dúvidas é sobre como operar o sistema. Esperamos que a publicação da Tabela de Temporalidade-Fim ajude a organizar a massa documental acumulada na Secretaria, já que a maioria dos documentos acumulados tem essa origem, principalmente nas unidades ambulatoriais/hospitalares e de vigilâncias. A possibilidade de eliminar alguns tipos documentais com segurança jurídica e técnica, possibilitará sua organização, facilitará o reconhecimento e acesso aos documentos, inclusive os de guarda permanente.

Falem um pouco das dificuldades do ofício de vocês.

Acho que a principal dificuldade é o desconhecimento sobre as atribuições da CADA e do Arquivo do Estado em relação à produção e gestão de documentos. A ideia muito fortemente difundida dentro da administração pública brasileira de que documentos acumulados é um monte de papel sem importância e que poderia ou deveria ser descartado sem critérios e, mais ainda, sem acompanhamento, tem que ser revertida. Documentos, sejam quais forem os suportes, inclusive os digitais, contêm informações que registram o funcionamento do aparato administrativo, são provas jurídicas do que é feito pelos agentes públicos em nome do Estado; provém os gestores e servidores de conhecimento para poderem administrar com um mínimo de organização e estratégia, e, por fim, desnudam o que ocorre dentro do poder público e permite o acompanhamento por parte dos diversos segmentos da sociedade, caso o desejem. Por isso, devem ter seu ciclo de vida, desde a criação até a eliminação, acompanhada por servidores da CADA para que haja segurança jurídica ao longo de todo esse percurso. Consideramos importantes as iniciativas do Arquivo Público do Estado junto à EGAP [***] para promoção de cursos de gestão documental aos servidores públicos. Além disso, poderíamos pensar em estratégias de divulgação sobre o real papel da gestão documental dentro da máquina administrativa para os gestores.

E a respeito dos chamados “arquivos históricos” da Secretaria de Saúde, o que vocês podem dizer sobre o estágio de organização e de preservação desses arquivos?

Nosso principal contato com os arquivos históricos foi em 2016 quando visitamos as unidades que têm documentos anteriores a 1941. Poucas tinham seus documentos organizados e guardados adequadamente. A partir do levantamento realizado em 2016, descobrimos que algumas unidades têm interesse em manter seus “arquivos históricos” e outros querem que sejam recolhidos para o Arquivo Público, pois consideram que não terão possibilidade de mantê-los e conserva-los. Assim, estamos tentando seguir por uma solução que contemple a todos e que deve ser institucional. Caso fiquem em alguma unidade da Saúde, devem ser tratados como acervo documental para finalidade pesquisa acadêmica e probatória, com amplo acesso para os interessados e cuidados conforme as normas existentes.

Fale um pouco da riqueza de informações presentes no universo de tipos documentais da função saúde, após esse intenso contato com os arquivos. Quais tipos documentais a serem destacados?

Os prontuários médicos com certezas são documentos riquíssimos em informação e para a produção de conhecimento. Há também os documentos das Vigilâncias e dos Institutos de Pesquisa, alguns deles centenários e, mais do que um tipo documental específico, vale destacar a diversidade de atividades que a Secretaria de Estado da Saúde tem que realizar para cuidar da saúde do cidadão e que estão registradas em diversos tipos documentais. São mais de duzentos tipos documentais identificados que refletem essa diversidade da atividade-fim da Secretaria de Saúde. Também a quantidade de regulamentação que permeia a área faz com que todos estes documentos sejam fontes de conhecimentos.

Vocês acumularam muita experiência no contato com os documentos analógicos da Secretaria de Saúde. O que vocês têm a dizer sobre os desafios em relação à produção e gestão dos documentos digitais?

Foto: CADA/SES

Fernando Meyer em atividade de capacitação de servidores da Secretaria de Saúde

Fernando Meyer em atividade de capacitação de servidores da Secretaria de Saúde


A produção documental digital na Secretaria. Podemos citar como exemplo, entre outros:
O sistema que cuida da gestão dos convênios da Pasta, que hoje é totalmente digital. Participamos de um dos treinamentos realizados quando ele estava para ser instalado e fizemos um relatório com orientações sobre prazos de guarda e destinação deste tipo documental e ações que teriam que ser realizadas para a conservação deste tipo de suporte.

A produção de vacinas é totalmente registrada e controlada em sistema próprio. Temos um sistema que cuida de toda a assistência prestada aos pacientes nos hospitais, inclusive prontuários eletrônicos, que só não podem ser definidos como tal porque os médicos ainda não têm assinaturas eletrônicas e muito menos os pacientes. O que há, no máximo, são os prontuários híbridos, nos quais uma parte é digital e outra ainda é em papel e, portanto, não há prontuários digitais puros. Parece-nos que as dificuldades técnicas de implantação e validação destes documentos digitais serão os principais desafios num universo gigante como o da Secretaria de Estado da Saúde. Por exemplo: prover assinaturas eletrônicas para todos os servidores envolvidos na produção e tramitação de documentos e fazer tudo isso com segurança jurídica para não sermos interpelados judicialmente sobre essas ações.

Outra coisa muito importante que devemos problematizar é a entrada no mundo digital de forma descuidada, o que não nos parece algo bom. A aparente desmaterialização de um documento físico da frente de seus olhos (olhos de alguns servidores e gestores) porque se tornou digital e está guardado em algum dispositivo, como servidores e “nuvens” (que no fundo também são dispositivos físicos!), leva a um perigoso encantamento, deslumbramento. O documento em si, está lá, ocupando um espaço em bytes (kilo, m ou giga) de dispositivos eletrônicos. Estes são finitos em sua capacidade. Podem ser aumentados, claro! Só que esta expansão sempre custará recursos financeiros, dinheiro público. Além de que teremos que pensar numa política de preservação de documentos digitais para que dados e informações não sejam perdidos por obsolescência de hardwares e softwares. Os sistemas e documentos digitais já são uma realidade. Eles devem ser cada vez mais incorporados.

Como resolver isto? O caminho é a comunicação e diálogo entre a Gestão Documental e a Tecnologia da Informação, dentro do serviço público. Seja qual for o suporte, físico ou digital, tem que haver gestão documental. O documento digital que ocupa um servidor (‘estante dos documentos digitais’) tal qual seu similar físico deve ter sua classificação, seus prazos de guarda e sua destinação final. Ou seja, também se aplicam aos documentos digitais os prazos previstos na Tabela de Temporalidade de Documentos: estes podem indicar a eliminação, a guarda de longo prazo e guarda permanente.

Qual panorama sobre os arquivos da função Saúde do Estado de São Paulo vocês apresentariam para um pesquisador que não tem conhecimento da existência dessa documentação tão rica?

Um universo grandioso para explorar, caso, hoje e a partir de agora, a política de arquivos, de gestão documental e acesso à informação se consolidem definitivamente. Os documentos da Saúde, falamos principalmente dos de guarda permanente - contam a História dos saberes envolvidos da atuação dos profissionais de Saúde ao longo do tempo e, claro, da Saúde Pública paulista e brasileira. Há um registro documental da relação entre o Estado, aqui neste caso, a Secretaria de Estado da Saúde, e o restante da Sociedade. Atendendo indivíduos ou coletividades, temos na ponta as unidades ambulatoriais e hospitalares, as vigilâncias sanitárias e epidemiológicas e institutos como, por exemplo, o Butantan e o Adolfo Lutz. São locais de contato forte, contínuo e íntimo entre o poder público e os diversos segmentos sociais. Para, além disso, o flagrante da execução das políticas públicas e seus desdobramentos e o ‘olhar’ do Estado sobre a população e vice-versa. Cremos que isso pode ser observado em outros órgãos, como escolas, distritos policiais e unidades prisionais e um pouco além, nos cartórios. Algo já muito claro, há tempos, para pesquisadores e juristas.

Foto: Sandra Sotnik Gonik

Aspecto do Arquivo Intermediário do Instituto Pasteur da Coordenadoria de Serviços de Saúde-SES.

Aspecto do Arquivo Intermediário do Instituto Pasteur da Coordenadoria de Controle de Doenças - SES


Se quiserem complementar algo, fiquem à vontade.

Só acrescentar que a adesão aos documentos digitais, cada vez mais presentes e que se tornarão mais intensos, não dispensa de forma alguma a gestão documental. Caso a percamos de vista, migraremos de uma situação na qual acumulávamos, de forma desordenada, documentos em papel, para acúmulo caótico de documentos digitais. Devemos ter em mente que, caso isto ocorra, apenas mudaremos os problemas de lugar. Do Protocolo/Arquivo Intermediário para o pessoal da TI, que futuramente terá que dar conta disso, técnica e juridicamente. Para fazer um trocadilho, apenas trocaremos o “suporte do problema”, do suporte físico para o digital. Tanto os documentos digitais quanto a gestão documental trouxeram uma infinidade de vantagens e comodidades. Assim a administração pública e principalmente o cidadão só tem a ganhar com diálogo e busca de soluções integradas entre equipes da gestão documental e da área da TI.

Notas