Em janeiro de 1913, aconteceu um fato curioso que data a participação de “mulheres” em partidas de futebol: um jogo, realizado no Velódromo Paulista em São Paulo, organizado em beneficio da construção do hospital de crianças da Cruz Vermelha. A imprensa local muito divulgou o evento, porém já colocando em dúvida a veracidade de um time composto por mulheres, como podemos verificar em nota publicada no jornal Correio Paulistano de 1913:
Realiza-se hoje no Velódromo, uma attrahente festa sportiva, em beneficio
do hospital das crianças da Cruz Vermelha. Foi organizado um interessante
macht de foot-ball, no qual os rapazes do Sport Club Americano preparam
magníficas surpresas. Esse match será jogado entre um team de senhoritas
e outro de rapazes. A iniciativa coube à senhorita Catharina Bertoni, que
infelizmente não poderá tomar parte do grande “match”, visto ter sido
victima de um accidente, num dos últimos trainings. ¹
Reportagens publicadas no jornal O Commercio de São Paulo no dia seguinte ao evento comprovariam uma “magnífica surpresa”. Não era uma partida que trazia a presença feminina em campo, mas sim homens trajados de mulheres.
Às 4 horas as equipes apresentaram-se em campo. Debaixo de
prolongadas palmas da assistência, que não soube a sua surpresa, vendo
no “Field”, ao invés de senhoritas, destemidos rapazes mettidos num
elegante uniforme e com as fazes “totalmente” amassadas, a força do
“carmim” e de outros preparos da moda [...]desde a touca japonesa ao vendo
saiote não se podia dizer que alli estavam os heroes do sexo forte... mas...
o bico largo, o formidavel 44 condemnavel as pseudo - senhoritas [...]².
As impressões relatadas nos periódicos apontavam o episódio como uma brincadeira, pois quem haveria de acreditar que mulheres da alta sociedade paulista quisessem assumir o papel masculino? Sua função social deveria ser voltada para a caridade e para a filantropia.
A participação das mulheres no futebol ficou restrita, durante certo tempo, a pontapés iniciais nas partidas, ao papel de madrinhas dos clubes assim como de incentivadoras de arquibancada com seus “vivas” e aplausos aos jogadores. A primeira partida de que temos efetivamente a participação de mulheres em campo ocorreu em São Paulo, no bairro do Tremembé, e foi registrada pela imprensa local em 1921.
A prática do esporte pelas mulheres começou a se tornar mais visível no cenário futebolístico brasileiro a partir dos anos 1940, com a fundação de vários clubes de futebol feminino, como o Cassino Realengo, o S. C. Brasileiro e o Eva Futebol Club, todos do Rio de Janeiro. Mesmo com as recomendações de sua proibição, elaboradas pelo governo de Getúlio Vargas, as notícias da realização de jogos eram veiculadas pela imprensa.
No período da Ditadura Militar (1964-1985), tal prática também foi vetada pelo governo. Somente em 1979, por meio de uma deliberação do Conselho Nacional dos Desportos (CND), é que a mulher revê o seu direito de praticar o esporte. Assim é regulamentado e normatizado o futebol feminino no Brasil.
A partir da década de 1980, mesmo não tendo o reconhecimento da CBF e o status do futebol masculino, times compostos por mulheres representaram o Brasil e participaram de campeonatos nacionais e internacionais. O primeiro campeonato mundial disputado através da convocação da CBF foi em 1991, na China. A partir de então, teríamos uma Seleção Brasileira de Futebol Feminino.
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¹FOOT-BALL. Correio Paulistano. São Paulo, 25
jan. 1913. Chronica Sportiva, p. 3. Apesp.
² FOOT-BALL: o “match” de hontem em beneficio da
Cruz Vermelha. O Commercio de São Paulo, São Paulo, 27 jan. 1913, p. 4.
Apesp..