Na matéria acima, Camila Brandi faz uma menção certeira, destacando o brilhante papel do APESP junto aos municípios, porém, acrescentando que quem faz a diferença é o servidor público que abraça a causa dos arquivos e a enfrenta no seu cotidiano.
A Revista do Arquivo entrevistou duas grandes personalidades parceiras do APESP que fazem a diferença, para se conhecer um pouco das peculiaridades dos arquivos municipais, de uma prefeitura e de uma câmara legislativa. Foram feitas duas questões a Antonio Carlos Galdino, responsável pelo Arquivo Municipal de Campinas e Reginaldo da Cruz Costa, do arquivo da Câmara de Barueri. Confiram os olhares específicos desses agentes públicos.
Antonio Carlos Galdino. Especialista Cultural e Turístico, segundo nomenclatura do plano de cargos e carreiras da Prefeitura de Campinas. Ocupa o cargo de Coordenador Setorial de Arquivo Municipal desde dezembro de 2002, sendo responsável direto por todas as atividades relacionadas ao Arquivo Municipal de Campinas.
Reginaldo da Cruz Costa, Assistente Legislativo, Coordenador da Comissão de Avaliação de Documentos e Arquivo (desde 2012), Gestor do Serviço de Informações ao Cidadão (desde 2016).
Quais peculiaridades você destaca da gestão de arquivos municipais?
Destaco três aspectos:

1) Creio que o contexto administrativo das municipalidades é o mais desfavorável para a implantação de políticas arquivísticas em comparação com as outras esferas governamentais. De um modo geral, a influência dos agentes políticos (prefeito, vereador e comissionado), cuja alternância é determinada pelo ciclo eleitoral, é muito direta sobre a esfera administrativa, resultando nesta o predomínio do ponto de vista de curtíssimo prazo e de conveniências eleitorais sobre os aspectos técnicos e considerações de longo prazo. A baixa estruturação e descontinuidade administrativas, o amadorismo, o improviso e a pouca transparência para com a sociedade, resultantes dessa dinâmica, são obstáculos sérios a uma política arquivística que visa à gestão e acesso continuados aos documentos públicos. Nessas condições, os arquivos municipais têm grandes dificuldades para se institucionalizar por moto próprio e cumprir plenamente as funções previstas na Lei 8159/1991.
3) Por outro lado, os municípios brasileiros são entidades cujas competências constitucionais e forma de organização foram nacionalmente uniformes na maior parte da sua história, de modo que todas as instituições arquivísticas municipais administram conjuntos documentais relativos às mesmas funções, e, portanto, produzindo tipos documentais similares, com diferenças determinadas mais pelo perfil econômico, social, cultural e populacional, idade, história e estrutura administrativa de cada um dos municípios. Este último aspecto, torna potencialmente favorável do ponto de vista técnico e administrativo a troca de experiências entre os arquivos e a generalização de boas práticas. No entanto, essa troca é difícil de acontecer por razões de cultura política e administrativa mais geral, que indiquei antes, e depende em grande medida de apoio externo para se realizar.

Tendo a gestão documental como um conjunto de procedimentos e operações técnicas desde a produção até a destinação final dos documentos, não vejo a gestão de arquivos nas câmaras.
Baseando-se no histórico de Barueri (hoje com uma realidade muito diferente), visitas recebidas e trocas de experiências com outras Casas, percebe-se que não existe uma política de tratamento a arquivos aplicados em suas atividades, por falta de equipamentos e ambiente adequado, ausência de normas que estabeleçam as atribuições, competências e prazos, e a alocação de recursos humanos preparados ou programas de capacitação para os servidores que atuam em arquivos, exceto definições constantes em resolução de organização administrativa ou implantação de sistemas normativos certificados.
Outra peculiaridade das câmaras é a encadernação em livros como forma de armazenamento, muitas vezes guardando cópias e documentos separados dos processos, o que dificulta a aplicação de tabela de temporalidade de documentos.
Predominantemente, apenas os documentos dos processos legislativos (projetos e proposições) são registrados no setor de protocolo central ou geral, não contemplando os processos internos administrativos, cujo controle e trâmite ficam com as áreas que o autuam e acumulam.
O armazenamento geralmente é departamental ou setorial, pois mesmo com várias funções, apenas duas áreas são evidenciadas nos Regimentos Internos: legislativa e administrativa, isso provavelmente pela ausência de plano de classificação de documentos e tabela de temporalidade de documentos.
Há, ainda, a crença, principalmente da cúpula diretiva, de que a digitalização e a implantação de sistemas informatizados possam dar destinação ou resolver o problema da produção de documentos em suporte papel, sem apresentar solução ou tratamento ao digital.
Porém, embora as peculiaridades sejam, na maioria, negativas, existem positivas e uma delas é a própria estrutura organizacional das câmaras, e esta facilita o desenvolvimento de ações em conjunto com as áreas que tutelam o arquivo corrente e a proximidade com a alta direção e a presidência da Casa que favorecem a tomada de decisão.
Como você avalia a existência de uma instância de arquivo estadual voltada para auxiliar na organização dos arquivos municipais?

Não conheço as experiências dos demais estados, mas creio que todos os arquivos estaduais devem, a exemplo de São Paulo, desenvolver uma política de apoio aos arquivos municipais, pelas características que já apontei antes. A implantação de arquivos e de políticas arquivísticas municipais enfrenta muitos obstáculos, relacionados à dinâmica política das municipalidades e a concentração de recursos públicos nas esferas governamentais superiores etc. Não se pode esquecer que a tradição política brasileira tem nos estados um centro de gravidade, de modo que há uma influência importante da administração estadual sobre os municípios. Políticas de apoio desenvolvidas pelos arquivos estaduais possibilitam uma visibilidade ao problema dos arquivos nos municípios que de outra forma seria muito difícil de acontecer. Também os estados podem dispor de recursos, por meio de fundos específicos ou mecanismos públicos de financiamentos, como é o caso do Proac para instituições arquivísticas que está acontecendo, aqui em São Paulo.

É de extrema importância que as esferas estaduais e federais instituam e mantenham recursos necessários para auxiliarem os arquivos municipais dos dois poderes. A implementação de políticas de arquivo no âmbito municipal depende de vontade, muitas vezes, esse desejo vem dos próprios servidores que despertam o interesse por esse tratamento. O papel estratégico dos Arquivos ainda não é evidente para a maioria dos gestores e é justamente nessa deficiência que os arquivos estaduais, federais e os respectivos centros de assistências podem atuar com diagnósticos, instrumentos técnicos aderentes à realidade local, oficinas e cursos que promovam e consolidem uma mudança. O Observatório de Arquivos Municipais, recentemente criado pelo CAM, iniciativa brilhante do Diretor Igor Blumer Marangone, é uma excelente oportunidade de fortalecer ainda mais as ações do Centro e que contribuirá muito para a implantação de uma efetiva gestão de arquivos no Executivo e Legislativo municipais.