Exposição Virtual: A Revolta da Chibata

Do estopim ao “Abaixo a chibata”

O cenário político de 1910 configurou-se a partir das eleições presidenciais ocorridas no início do ano entre o militar Hermes da Fonseca, candidato apoiado pelo então presidente Nilo Peçanha, e o civilista Rui Barbosa, apoiado pela bancada de São Paulo e da Bahia.

Como aponta o trabalho de Álvaro Pereira do Nascimento, os marinheiros eram simpatizantes do candidato Rui Barbosa, pois, quando senador, esse levava ao conhecimento de seus colegas de governo a situação de maus tratos e os castigos corporais sofridos por eles. Assim, a derrota de Rui Barbosa para Hermes da Fonseca foi um desagrado para a marujada. De acordo com Nascimento,

Segundo o Senador Rui Barbosa o trabalho exigido aos marinheiros dos novos navios era de uma “enormidade [...] tamanha entre os serviços que lhes impõem e as forças de que eles podem ter” 1

Esse fator contribuiu para algumas decisões dos marinheiros nas várias reuniões que aconteciam. Organizados em comitês, os marujos discutiam as suas reivindicações, principalmente a do fim da chibata. Além disso, vários exemplos influenciaram os marinheiros a colocarem em prática a Revolta, como é o caso das notícias do Encouraçado Potemkin, que chegavam da Rússia, e o conhecimento da organização da Marinha de outros países.

A princípio, a Revolta estava marcada para 15 de novembro, dia da posse do presidente eleito Hermes da Fonseca, mas foi adiada para o dia 24 do mesmo mês. No entanto, um novo acontecimento alteraria os planos: o caso do marujo Marcelino Rodrigues Menezes.

O estopim da Revolta da Chibata aconteceu no dia 21 de novembro de 1910, quando o marinheiro Marcelino recebeu 250 chibatadas na frente de seus colegas. O motivo da punição foi uma briga entre ele e um cabo da Marinha. Marcelino, ao saber que foi delatado por introduzir na embarcação duas garrafas de cachaça, feriu à navalhada o cabo Valdemar Rodrigues de Souza, autor da denúncia.

O Comitê Geral, ao presenciar a punição de Marcelino, retrato do abuso das autoridades, decidiu pela antecipação da Revolta para o dia seguinte ao ocorrido. A escolha do dia 22 de novembro pegou o governo de surpresa. Nesse dia, o presidente Hermes da Fonseca e o seu ministério estavam no Clube da Tijuca assistindo a uma ópera, ainda confraternizando a recém vitória.

Na noite do dia 22, a tripulação das embarcações Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Deodoro se rebelaram aos gritos de “Viva a Liberdade!” e “Abaixo a chibata!”. O Rio de Janeiro estava na mira dos canhões da Marinha e prestes a presenciar, segundo o escritor Oswald de Andrade, “a primeira revolução política que o Brasil teve nesse século – a do Marinheiro João Cândido”2.

A população ficou amedrontada com os acontecimentos e com o poderio da marujada. Em outro relato, Oswald de Andrade descreve as suas impressões sobre o início da Revolta:

Acordei em meio duma maravilhosa aurora de verão. A baía esplendia com seus morros e enseadas. Seriam talvez quatro horas da manhã. E vi imediatamente na baía, frente a mim, navios de guerra, todos de aço, que se dirigiam em fila para a saída do porto. Reconheci o encouraçado Minas Gerais que abria a marcha. Seguiam-no o São Paulo e mais outro. E todos ostentavam, numa verga do mastro dianteiro, uma pequenina bandeira triangular vermelha. Eu estava diante da revolução. Seria toda revolução uma aurora? [...] de repente vi acender-se um ponto no costado do Minas e um estrondo ecoou perto de mim, acordando a cidade. Novo ponto de fogo, novo estrondo. Um estilhaço de granada bateu perto, num poste da Light. [...] Era terrível o segundo que mediava entre o ponto aceso no canhão e o estrondo do disparo. Meus olhos faziam linha reta com a boca-de-fogo que atirava. Naquele minuto-século, esperava me ver soterrado, pois parecia ser eu a própria mira do bombardeio. [...] Era contra a chibata e a carne podre que se levantavam os soldados do mar. O seu chefe, o negro João Cândido, imediatamente guindado ao posto de almirante, tinha se revelado um hábil condutor de navios. Quando mais tarde assisti à exibição do filme soviético Encouraçado Potemkim, vi como se ligavam às mesmas reivindicações os marujos russos e brasileiros. [...] 3

A liderança de João Cândido na “Revolta da Chibata” é praticamente incontestada na maioria dos estudos. Porém, na versão escrita pela Marinha, João Cândido tem lugar de pouco destaque, já que é apontado como líder somente porque era bem recebido por todos os marinheiros, o que facilitaria a adesão dos demais marujos à causa. Mas, na época da sublevação, sua liderança, mesmo que negativamente, foi reconhecida por diversas camadas da sociedade: pelo Congresso, pela imprensa, pela população e, até mesmo, pelos oficiais da Marinha.


1 NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Marinheiros em Revolta: recrutamento e disciplina na Armada (1880-1910). 1997. Dissertação (Mestrado)– Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), 1997. p. 12.

2 FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL et al. João Cândido: a luta pelos direitos humanos. [S.l.]: Projeto Memória, 2008. p. 59.

3 OSWALD de Andrade descreve a rebelião dos marinheiros e descreve seu desfecho. In: Projeto e Memória. [S. l.]: Petrobras; Fundação Banco do Brasil; [s/d]. Disponível em: <http://www.projetomemoria.art.br/RuiBarbosa/glossario/r/revolta-chibata.htm>. Acesso em: 7 out. 2010.