Na última terça-feira (5), no auditório do Arquivo Público do Estado de São Paulo, o doutor em História do Direito, Bruno Rodrigues de Lima, apresentou a palestra “Luiz Gama no Arquivo: métodos e resultados de pesquisa”. O coordenador do APESP e também professor de História da Unicamp, Thiago Nicodemo, participou da conversa, que pode ser assistida na íntegra pelo Canal do Youtube do Arquivo Público.
Além de doutor em História do Direito pela Universidade de Frankfurt, Alemanha, com tese sobre a obra jurídica de Luiz Gama, Bruno também faz pós-doutorado no Instituto Max Planck de História do Direito e Teoria do Direito. Em 2022, ganhou o prêmio Walter Kolb de melhor tese da Universidade de Frankfurt e, em 2023, a medalha Otto Hahn da Sociedade Max Planck.
Bruno passou mais de vinte anos pesquisando e explorando arquivos e documentos sobre Luiz Gama, encontrando mais de mil textos inéditos. Grande parte de sua pesquisa foi realizada e encontrada nos documentos textuais do Tribunal de Justiça e em jornais sob guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Ao ser perguntado se pretende continuar suas pesquisas aqui no Arquivo, Bruno diz: “Pretendo, porque tem muito mais coisa a ser pesquisada nos temas que eu estudo, sobre Direito e Escravidão. Então, quero continuar pesquisando no Arquivo Público, não somente sobre o Gama, mas também sobre outros personagens, porque o Gama é uma rede. Tenho interesse até em personagens de outros momentos e gerações. E o Arquivo tem um potencial muito grande de pesquisa”, explica. Sobre sua relação com o APESP, de muitos anos, ele afirma: “Eu sou apaixonado por este espaço e me sinto em casa. Aprendo muito vindo aqui. Aprendo muito com os servidores, aprendo com o público que frequenta arquivos, com historiadores e demais pesquisadores. Quero voltar mais vezes”.
Os documentos encontrados no Arquivo serviram de base para que Bruno reunisse toda a obra de Luiz Gama, que foi dividida em onze volumes que serão publicados até 2026. Entre os gêneros textuais encontrados estão, poesia, sátira, crônica, escritos de intervenção política, literatura jurídica e textos abolicionistas. Quatro dos onze volumes já foram publicados, todos pela editora Hedra, com os títulos Democracia, Direito, Crime e Liberdade.
Saiba mais sobre cada volume publicado:
Democracia: Se passa entre os anos de 1866 e 1869, mostra a entrada de Gama no mundo do Direito, mas até aquele momento, fazendo uso de um pseudônimo. Gama passa a defender o direito à educação universal e a obrigação do Estado em garantir um ensino público de qualidade.
Direito: Se passa entre os anos de 1870 e 1875, é marcado pela saída de Gama da Secretaria de Polícia da Capital e o início de seu trajeto como advogado. Gama atuou em diversas causas jurídicas, porém, grande parte do livro trata de causas que envolvem escravidão e liberdade.
Crime: Se passa entre os anos de 1877 e 1879, é a volta de Luiz Gama ao Direito, dando ênfase aos casos criminais, petições de habeas corpus, denúncias de violação de direitos de presos e prisões ilegais.
Liberdade: Se passa entre os anos de 1880 e 1882, esse volume é composto por textos de campanhas pela abolição e também pela garantia de cidadania aos libertos. Além de ser marcado pela morte de Luiz Gama, em agosto de 1882. Mais tarde, viria a ser o surgimento de uma nova literatura, que exigia a imediata abolição da escravidão.
Gama e a Presença Negra no Arquivo
Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi uma importante figura da segunda metade do século XIX. Advogado, jurista, poeta e jornalista, nascido em 1830 na Bahia, teve um grande papel na abolição da escravatura. Gama foi vendido como escravo pelo próprio pai aos 10 anos, passando a adolescência em cativeiro, até que aos 18 anos conquistou sua própria liberdade judicialmente, e é considerado hoje um dos maiores abolicionistas do Brasil, ajudando a libertar mais de 500 negros escravizados.
Gama foi o primeiro negro a publicar um livro, em 1859, a obra poética “Primeiras trovas burlescas de Getulino”, nessa época ainda utilizava o pseudônimo, Getulino. Mas também tem grande destaque na história da imprensa, seja com os jornais satíricos ‘Diabo Coxo’ e ‘O Cabrião’, como redator para o ‘Correio Paulistano’ e na defesa da República e da liberdade no jornal ‘Democracia’, no qual assinava com o pseudônimo ‘Afro’.
A palestra faz parte do projeto "Presença Negra no Arquivo", que conta com uma seleção de documentos que datam desde o século 18 até o século 20, retratando a luta da população negra por liberdade, justiça e igualdade. A exposição conta com figuras importantes do movimento negro, entre elas o advogado abolicionista Luiz Gama. A mostra realizada no mês da Consciência Negra ficará em cartaz até novembro de 2024 e procura visibilizar o patrimônio documental sob a guarda da instituição.
Thiago Nicodemo, coordenador do APESP, ao lado do pesquisador Bruno de Lima, especialista na vida e obra de Luiz Gama.