Na última quinta-feira (7), o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP) recebeu a escritora e ex-ministra da Justiça da França Christiane Taubira, acompanhada pela professora Lígia Fonseca Ferreira, do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e tradutora de seu livro ‘A escravidão contada à minha filha’. A obra aborda temas como colonização, racismo e a luta pela liberdade.
Christiane Taubira é também autora da Lei francesa que, em 2001, reconheceu a escravidão e o tráfico de pessoas como crimes contra a humanidade — legislação que ficou conhecida como “Lei Taubira”.
Taubira e a professora Lígia Ferreira foram recebidas pelo diretor do APESP, Thiago Nicodemo, e pela equipe da Coordenadoria de Difusão de Acervo. Elas visitaram a instituição para conhecer a exposição atualmente em cartaz, “Eu, amanuense que escrevi...”.
Idealizada pelo artista e servidor Diego Rimaos, a mostra utiliza inteligência artificial para reconstruir os rostos de africanos livres e emancipados pelo advogado abolicionista Luiz Gama entre 1864 e 1866, poucos anos antes da abolição da escravidão. Ao resgatar essas imagens, a exposição propõe dar identidade, dignidade e humanidade às pessoas negras da época, às quais não existem representações imagéticas.
Durante a visita, elas conversaram com Diego Rimaos, que apresentou seu trabalho e o processo de criação da exposição. Sobre a repercussão, Diego afirma que o sentimento é de dever cumprido: “O trabalho que o Arquivo tem feito com os documentos do Luiz Gama e o fato de alguém tão importante na luta contra o racismo se deslocar para prestigiar essa iniciativa traz a sensação de que estamos no caminho certo, mostrando que o que fazemos é realmente importante.”
Natural da Guiana Francesa, Taubira afirma que ficou intrigada pelas descrições feitas por Luiz Gama e pela forma com que essas descrições foram traduzidas em imagens. “São imagens que nos devolvem um rosto e, portanto, uma existência, uma dignidade, uma aparência a essas pessoas que foram submetidas à escravidão, mas que participaram do combate pela sua própria libertação e emancipação", diz.
Além de sua trajetória no combate ao racismo, Christiane Taubira teve papel decisivo na promulgação, em 2013, da lei que garantiu o direito ao casamento a casais homoafetivos na França. Em 2024, assumiu a titularidade da Cátedra José Bonifácio, da Universidade de São Paulo (USP).
Especialista em Luiz Gama, abolicionismo e literatura, a professora Lígia Ferreira desenvolve pesquisas sobre a representação do negro na literatura brasileira e nas artes visuais. Seu trabalho também abrange estudos interculturais, relações Brasil–França, tradução e literaturas de expressão francesa.
Lígia conta que há muitos anos pensava em traduzir o livro de Taubira por conta do reconhecimento, na França, do tráfico e da escravidão como crimes contra a humanidade. “Ainda lidamos com o tráfico de pessoas no Brasil, o que torna a tradução dessa obra ainda mais importante. É urgente que o nosso país tenha algo semelhante à ‘Lei Taubira’”, afirma.
Para o diretor Thiago Nicodemo, a vinda de Christiane Taubira foi muito importante pela sua enorme representatividade. “Discutimos temas como reconhecimento e reparação de Estado, e ela se comprometeu a ajudar na candidatura do acervo como Memória do Mundo da UNESCO na categoria mundial.", conta Nicodemo.