
É difícil não sentir um impacto quando entramos em um ambiente como este que aparece na imagem. De repente, somos envoltos por energia intangível a sugerir inexplicável, mas sensível ligação ancestral. Como se estivéssemos acompanhados de fantasmagóricas gerações passadas. Da mesma forma, milhares e milhares de notícias e personagens imaginários nos espreitam pelos corredores silenciosos e penumbrosos de uma grande hemeroteca. Aliás, neste caso, uma das maiores do estado de São Paulo.
Em outro ambiente, milhares de revistas e livros coabitam o espaço que nos causam a sensação de saberes guardados em silêncio cortante.
Pois bem, um ambiente de tanta fantasia e cultura adensadas em espaço com forte cheiro singular de passado, nos lembra um santuário profano a guardar saberes e ciências, à espera da nossa sensibilidade.
O Prata da Casa desta edição destaca o Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca (NBH) do Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), um tesouro que há muito vive à sombra do gigante Arquivo. Esse espaço sempre esteve passivamente aberto ao público, mas, muito brevemente, se mostrará ativamente ao mundo, pois há um contínuo trabalho técnico que ali vem sendo desenvolvido, desde 2015, potencializado pela implementação de plataforma on line que dará ampla publicidade ao acervo.
Dirigido pelas competentes profissionais Rita de Cássia Higa do Nascimento e, em seguida, por Dulcineia Dilva Jacomini, desde 2015 o Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca passou por profundas transformações que visaram tirá-lo do ostracismo. Atualmente, desde março deste ano, o NBH está sob a batuta de Carlos Henrique Meditieri Menegozo que partilha os trabalhos com mais 12 apaixonados colaboradores nesse complexo ofício e requer especializados conhecimentos da biblioteconomia, da arquivologia, da tecnologia da informação e de outras áreas que com elas fazem interface.
Não obstante estar submetido ao estatuto de Núcleo, o NBH tem todo o porte de Centro (hierarquicamente superior ao Núcleo) e, curiosamente, diferentemente dos demais Centros do APESP custodiadores de acervos, o Núcleo está vinculado ao Centro de Difusão(!), cabendo indagações sobre essa opção dos gestores que conceberam o organograma do APESP em tempos anteriores.
Na sequência da entrevista com Menegozzo, vejam o tratamento que está sendo realizado com o Fundo Washington Luís no Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca.
Organograma indicativo de vínculo institucional

Foto: Equipe de Editoria/APESP

Carlos Henrique Metidiere Menegozzo
Bacharel em Ciências Sociais (FFLCH/USP) e em Biblioteconomia (ECA/USP) e especialista em Organização de Arquivos (IEB/USP). Atuou em arquivos, bibliotecas e museus, como técnico e pesquisador, tanto nos setores público e privado quanto no terceiro setor. Possui experiência em implementação de bases de dados; integração entre museus, bibliotecas e arquivos; classificação e descrição arquivística e bibliográfica; levantamento e balanço bibliográfico; reversão de tratamento documental inadequado; indexação e resumo; controle de vocabulário; capacitação de equipes; e aplicação de novas tecnologias ao processamento de grandes massas de dados e documentos eletrônicos. Desde 2018, trabalha como diretor técnico do Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca do APESP.
Conte-nos um pouco sobre a história do NBH. Quando e com que perfil surge a Biblioteca do APESP?*[*]
Podemos afirmar que aquilo que hoje conhecemos como Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca (NBH) surgiu praticamente junto com o Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), ainda no final do século XIX, embora sob outra denominação. Desde então, o órgão passou por diferentes fases, as quais tiveram impacto na composição de seu acervo, quando foram priorizadas ora a incorporação de publicações oficiais do estado, ora publicações técnicas de apoio ao pesquisador e às equipes do APESP, ora acervos bibliográficos privados. Mas, a história da biblioteca do APESP ainda está para ser contada, e, para isso, dispomos de uma série de fontes, desde publicações até o próprio arquivo administrativo do APESP. Conhecer melhor essa história é crucial para compreendermos o processo de formação de nosso acervo, o que nos ajudaria a melhor estruturar a documentação. Além disso, representaria um novo e belo capítulo de um campo da Arquivologia que remete à história arquivística, ainda carente de contribuições no Brasil.
Equipe do Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca do APESP

De que maneira se organiza a equipe do NBH? Quais são as principais rotinas desenvolvidas por vocês?
A equipe é composta por 13 colaboradores, dentre estagiários, servidores concursados e funcionários em cargos comissionados. Todos com um elevado grau de comprometimento e apaixonados pelo trabalho e pelos usuários dos nossos serviços. Destes, 4 possuem graduação ou formação técnica em Biblioteconomia. Em termos bem gerais, dividimo-nos em quatro frentes de trabalho. A equipe de atendimento ao público é responsável por recepcionar o consulente, realizar seu cadastro, encaminhar demandas relativas ao acervo, tais como, por exemplo, os pedidos de digitalização, e por recepcionar grupos em visita técnica. Temos também uma equipe de monitoramento e conservação preventiva, responsável por acompanhar as condições climáticas de nossos depósitos; avaliar e controlar os riscos de infestação do acervo, sobretudo por fungos; além de realizar a higienização e acondicionamento do material. Há, ainda, uma equipe de tratamento bibliográfico e arquivístico, que se concentra em procedimentos de classificação e descrição do acervo. E, por fim, um grupo mais reduzido responsável por reunir dados eletrônicos, novos ou legados de sistemas anteriores, e por remodelar esses dados visando sua migração para novos sistemas de bancos de dados.
Exponha alguns dados reveladores da dimensão desse Núcleo
O acervo do NBH encontra-se ainda em fase de tratamento, o que dificulta uma quantificação precisa. Mas, com base no catálogo já existente, é possível fazer projeções. Nossa estimativa mais recente sugere que o acervo seja composto por algo em torno de 800 mil itens documentais, distribuídos em 40 diferentes acervos, incluindo fundos e coleções de origem pública e privada, além de coleções constituídas por iniciativa da própria Biblioteca. A tendência é de crescimento, considerando o número de doações e recolhimentos atualmente em curso. Em termos de espécies documentais, merecem destaque os jornais e revistas que totalizam, pelo menos, 460 mil exemplares, distribuídos em cerca de 10 mil títulos. A isto se somam cerca de 66 mil publicações não periódicas (livros e relatórios, entre outros materiais), mais de 9 mil teses e dissertações, algo em torno de 3 mil rolos de microfilmes e 34 mil arquivos eletrônicos. Há um grande desnível em termos de tratamento técnico: estimamos que mais de 70% do total de jornais e revistas do acervo estejam catalogados. Inversamente, 70% ou mais é a proporção do restante do acervo que falta catalogar. Por isso, o nosso esforço está mais voltado hoje ao tratamento de publicações avulsas, enquanto o catálogo eletrônico de jornais e revistas vai sendo paralelamente preparado para importação em nossa nova base de dados. Para se ter uma ideia das dimensões desse processo, o NBH processou no último ano algo em torno de 50 milhões de dados eletrônicos (células de planilhas) e os dados produzidos na migração de jornais e revistas para a nova plataforma representam, sozinhos, cerca 70% desse volume (35 milhões de dados eletrônicos).
É possível definir um perfil temático desta Biblioteca a partir do que se conhece do acúmulo histórico do seu acervo?
A Biblioteca do APESP assumiu diferentes atribuições, o que se refletiu em uma política de coleção que variou ao longo do tempo. Apesar disso, o acervo sob a nossa guarda revela alguns fios condutores. Um primeiro eixo remete ao tema da história administrativa, sobretudo do estado de São Paulo, e isso em decorrência do recolhimento de publicações oficiais do governo estadual, que consta como uma de nossas mais importantes atribuições. Merece destaque, nesse sentido, um amplo conjunto de relatórios de órgãos públicos, publicados em diferentes estados e em níveis de governo (sobretudo estadual e federal), concentrados entre o início do século XIX e meados do século XX. Um segundo eixo diz respeito à história econômica, tratada em expressivo conjunto de publicações oficiais do estado (tanto da administração direta quanto indireta), publicações de outros níveis e esferas de governo (municipal e federal, inclusive), e também em documentação de empresas. Exemplo maior disso é a documentação relativa ao setor de transportes: inclui mais de 600 obras, publicadas nos séculos XIX e XX, dentre as quais predominam relatórios administrativos, técnicos e estatísticos produzidos por diferentes companhias de estradas de ferro. Um terceiro grande eixo remete à história da imprensa, com ênfase nos séculos XIX e XX, na imprensa brasileira (embora publicações estrangeiras existam em grande volume) e, mais ainda, na história da imprensa paulista. Temos desde coleções, algumas quase completas, de inúmeros órgãos da grande imprensa de São Paulo, até títulos de periódicos raros, como é o caso de A Redempção, jornal abolicionista cuja restauração pelo APESP lhe valeu reconhecimento pelo Projeto Memória do Mundo, da UNESCO. Um quarto e último eixo, dentre os mais importantes, diz respeito a publicações de arquivos, museus e bibliotecas, com destaque para manuais técnicos e instrumentos de pesquisa, compondo um acervo com mais de 800 itens, publicados no Brasil e no exterior. Para além desses eixos, mais definidos, nossa política prevê também o recebimento de bibliotecas completas – tanto de órgãos do estado, quanto de origem privada, com especial destaque às bibliotecas de ex-governadores – e isso diversifica relativamente nosso acervo em múltiplas direções.

Quais as especificidades de uma biblioteca de Arquivo e, especialmente, desta do APESP? Como ela se distingue das bibliotecas convencionais?
Nas bibliotecas convencionais predomina, em primeiro lugar, um tipo de acervo que denominamos “coleção”. As coleções são conjuntos de obras sem vínculo orgânico, quer dizer, são obras que não estão relacionadas entre si em função de pertencerem a uma mesma pessoa ou instituição, como ocorre com os fundos, mas são reunidas por iniciativa das próprias bibliotecas e em torno de outras afinidades, geralmente o assunto. Por essa razão, em bibliotecas convencionais prevalece obviamente o tratamento bibliográfico do acervo, o que implica dar mais destaque ao valor informativo das obras (seu conteúdo) do que ao seu valor probatório (ou contexto), como ocorre em arquivos.Quais as especificidades de uma biblioteca de Arquivo e, especialmente, desta do APESP? Como ela se distingue das bibliotecas convencionais?
No APESP, a situação se inverte: aquilo que em bibliotecas convencionais se apresenta como caso excepcional, uma “coleção especial”, na Biblioteca do APESP é regra. A biblioteca, enquanto núcleo dedicado ao tratamento de itens bibliográficos, é apenas um dentre outros setores que colaboram para o processamento integrado dos fundos e coleções sob a guarda de todo o APESP. Isso significa que, embora possuam valor informativo a exigir tratamento bibliográfico, muitas das obras sob nossa guarda encontram-se organicamente relacionadas a outros materiais, o que exige tratamento arquivístico, além de bibliográfico, notadamente classificação e descrição arquivísticas. Além dessas especificidades, nos distinguimos também por não realizar empréstimos, o que se deve às características únicas de muitos dos itens sob nossa guarda. Por outro lado, e apesar dessa nossa condição pouco convencional, desempenhamos uma função de instituição depositária, quer dizer, temos por atribuição fundamental receber as publicações oficiais produzidas por órgãos da administração direta e indireta do estado de São Paulo. Talvez essa característica seja a que mais nos aproxima de outras bibliotecas consideradas convencionais.
Essa condição pouco usual do acervo do NBH implica em discutir a relação entre o acervo bibliográfico e os arquivos de guarda permanente do APESP

Exatamente. Esse é um ponto crucial. Estamos acostumados a pensar a Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia, de maneira estanque e superficial, com mais apego à etimologia das palavras que dão nome às áreas do que aos fundamentos teórico-metodológicos que cada área representa. E isso conduz a graves equívocos, que aprofundam mais a separação do que a interação entre as áreas. Nosso desafio é caminhar em direção à integração.
Um exemplo de abordagem equivocada é identificar cada área a um “tipo” de documento, diferenciado a partir de sua forma física: bibliotecas cuidam de livros, arquivos cuidam de papéis avulsos, e museus cuidam de objetos. Estou convencido de que “bibliográfico”, “arquivístico” e “museológico” não são características intrínsecas aos documentos, o que obrigaria a fazer corresponder cada tipo de documento a uma área, de maneira exclusiva. Ao contrário, “bibliográfico”, “arquivístico” e “museológico” representam diferentes abordagens teórico-metodológicas, às quais um mesmo documento pode ser submetido simultaneamente, a depender das circunstâncias. O tratamento bibliográfico enfatiza o valor informativo, o conteúdo; já o tratamento arquivístico se concentra sobre o valor probatório, ou contexto; enquanto a museologia explora mais que outras áreas o valor, digamos, pedagógico ou educativo, que os acervos eventualmente possuem, proporcionado iniciativas de difusão.
Diante disso tudo, e da necessidade de integrar arquivo e biblioteca, penso que no NBH nosso desafio maior é, em primeiro lugar, de natureza conceitual: é necessário reconhecer o valor informativo dos itens sob a nossa guarda, tratando-os bibliograficamente, mas preservando as relações de organicidade (valor probatório) mediante tratamento arquivístico. Como se não bastasse, enfrentamos um segundo desafio que é o de concretizar essa abordagem em uma efetiva integração das normas técnicas consagradas em cada área especializada. O sucesso dessa empreitada, acredito eu, vai depender muito da nossa capacidade de reconhecer o documento na sua completude – como um processo, e muito complexo – resistindo à tentação de recortá-lo artificialmente por paixão mais a esta ou àquela área profissional do que aos acervos propriamente ditos e ao público, cujo interesse eles atendem.
Existe uma política de recolhimento ou de aquisições que oriente atualmente o desenvolvimento do acervo? De outro lado, você acha possível ou necessária uma política de desbaste do acervo já acumulado?
Sim, essa política para o desenvolvimento do acervo existe. São diretrizes aplicadas a recolhimento, doações e aquisições, de modo geral derivadas dos eixos a que me referi antes. No momento, esta política vem sendo rediscutida, não apenas para detalhamento, mas ampliação, visando abranger também o acervo já acumulado. E aqui entra a questão do “desbaste”. O trabalho de avaliação e descarte (ou eliminação) de documentos de arquivo já é realizado pelo APESP. O procedimento não é nada simples. E quando se trata de aplicá-lo ao acervo bibliográfico, novos desafios aparecem. Itens bibliográficos, pelo tratamento editorial que recebem, circulam amplamente e acabam integrando fundos de vários órgãos da administração estadual, geralmente na forma de bibliotecas técnicas. Tais bibliotecas, uma vez que estão relacionadas organicamente ao restante da documentação, adquirem condição de arquivo – transformam-se em “coleções orgânicas”. A princípio, portanto, estão sujeitas a recolhimento e guarda permanente. Todavia, seguindo esta lógica, acumularíamos um grande número de itens duplicados, cada um pertencente a uma biblioteca diferente. Em termos conceituais, o problema é o seguinte: a presença de documento bibliográfico em fundo arquivístico prova o interesse ou uso daquele documento por uma pessoa ou instituição (o documento possui, portanto, valor de prova e adquire condição arquivística); por outro lado, em função do tratamento editorial que recebe, o documento bibliográfico possui também um valor informativo e unitário, isto é, seu conteúdo se encerra, até certo ponto, nele mesmo, e todos os seus exemplares serão, a princípio, idênticos. Diante disso, surgem questões: devemos preservar todas as cópias, em diferentes fundos, e em benefício do valor de prova? Ou descartamos as cópias em benefício do valor informativo, já satisfeito com um único exemplar? Caminhamos no APESP para uma solução intermediária: manter em base de dados a indicação da existência de todos os itens bibliográficos (duplicando, portanto, os registros em vários fundos), mas preservando apenas o exemplar em melhores condições – com exceção dos casos em que os itens bibliográficos tenham se tornado “únicos” em função de dedicatórias, anotações manuscritas relevantes e outros casos mais.
Fotos: Equipe da Ação Educativa/APESP


Quais os maiores desafios encontrados ao assumir a direção do NBH?
Um fato comum em bibliotecas e arquivos é a incompreensão das direções com relação ao trabalho técnico. Outro fato relativamente comum é nos depararmos com equipes pouco engajadas. E isso tudo traz à tona uma série de problemas que apenas prejudicam o trabalho. Nada disso ocorre no APESP. Ao contrário: é enorme e decisivo o apoio que recebemos de nossos diretores – Flávio Ricci, no Centro de Difusão e Apoio à Pesquisa (CDAP) e Camila Brandi, no Departamento de Preservação e Difusão do Acervo (DPDA) – e de nosso coordenador geral, Fernando Padula; assim como é enorme o comprometimento e engajamento de nossa equipe técnica; além do apoio de colegas de outros setores. Isso permite direcionar nosso esforço a desafios que apontam para a melhoria do ritmo e da qualidade de nossos serviços. Dito isso, entre os desafios principais eu elencaria os seguintes: 1) estamos buscando e introduzindo novas tecnologias em nossas rotinas; 2) isso, por sua vez, implica revisão dos nossos processos internos de capacitação; 3) a aplicação dessas novas tecnologias é crucial para o desafio de acelerarmos o processamento técnico, de modo a alcançar o volume e o ritmo de crescimento do acervo, compensando, ao mesmo tempo, a perda de resultados obtidos no passado, provocada pela sucessão de transições tecnológicas que vivemos nas últimas décadas; 4) isso tudo culmina no desafio de reorganizar a nossa equipe, até mesmo em termos espaciais. Temos um longo caminho pela frente. Mas, as experiências e resultados que acumulamos no último ano sugerem que estamos na direção correta.
A ausência de um sistema eletrônico parece ter ofuscado a consulta e a difusão do acervo da biblioteca. Sabemos que hoje essa situação está bem diferente. Fale-nos um pouco a esse respeito dos sistemas eletrônicos que têm sido instalados e utilizados pela biblioteca.

De fato, a ausência de um sistema de gerenciamento de banco de dados tem limitado a difusão e o acesso ao acervo. Mas, isso não se deve à equipe. Na verdade, à equipe cabe o mérito por ter preservado em planilhas, e com muito rigor, a integridade dos dados eletrônicos produzidos ao longo de anos e até décadas. Essa foi uma condição decisiva para o salto que estamos prestes a realizar. A ausência de um sistema decorria, na verdade, de um fator que foge ao nosso controle: a indisponibilidade, no mercado, de uma solução adequada à condição limítrofe de acervos como o nosso, a meio caminho entre biblioteca e arquivo. O problema é muito profundo: a integração entre arquivo e biblioteca não foi devidamente estabelecida ainda, ao meu ver, nem mesmo no plano conceitual, que dirá em termos de soluções aplicadas. Por outro lado, são numerosos os softwares livres e em código aberto para arquivos e bibliotecas que têm sido disponibilizados nos últimos anos, o que tende a facilitar nosso trabalho cada vez mais. De todo modo, em termos de dados eletrônicos, estamos trabalhando em escala experimental para estabelecer uma cadeia mais longa e mais complexa de tratamento, que encontra numa base de dados eletrônica o seu ponto culminante. O desafio começa com o controle de dados referentes a documentos em papel, realizado em planilhas eletrônicas; passa pela captura eletrônica de imagens e pela normalização das extensões de arquivo, visando guarda permanente em repositório arquivístico confiável (para isso utilizaremos o Archivematica); passa pela captura e interpretação semiautomática de conteúdo e pela composição semiautomatica de documentos eletrônicos a partir de páginas capturadas individualmente (para isso empregamos o Tesseract); passa ainda pela produção e introdução de metadados embutidos (para isso combinaremos Archivematica e DSapce); chegando então à descrição arquivística e bibliográfica em planilhas eletrônicas; e, finalmente, à importação dos registros e arquivos eletronicos, em lote e via linha de comando, na nossa principal ferramenta, a plataforma Access to Memory ou, simplesmente, AtoM (e que em bibliotecas convencionais poderia ser substituída por outras soluções, como por exemplo o Koha). Nossa experiência tem se mostrado desafiadora, sobretudo no que se refere aos necessários e complexos cruzamentos que somos obrigados a realizar entre as normas técnicas arquivísticas e bibliográficas, em benefício de uma solução que ofereça todo o acervo do APESP em uma plataforma integrada. Além da integração de todo o acervo e a importação de registros por lote, o AtoM nos oferece outras funcionalidades importantes, como filtragem de dados, galeria digital, geranciamento de tesauro e interoperabilidade com outras plataformas, como Youtube e soluções para apresentação dinâmica de dados (conhecidas como Business Inteligence, e dentre as quais destaca-se o Tableau Public). Nossa plataforma já está disponível em versão beta para acesso local com cerca de 390 mil registros e 13 mil arquivos digitais. Esperamos disponibilizá-la para acesso online em 2020. Até o final daquele ano, esperamos oferecer ao público cerca 500 mil registros e 33 mil arquivos digitais.

Um pouco mais da formação e experiência profissional de Carlos Menegozzo
Minha primeira experiência com tratamento de acervos foi no final dos anos 1990. Nos primeiros anos de graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), realizei uma pesquisa histórica sobre o centro acadêmico do curso, o CEUPES. Foi nessa pesquisa que conheci o APESP, inclusive. Utilizei muito os manuais “Como fazer” e o acervo do DEOPS. Desde então, tomei gosto e me profissionalizei na área. Concluindo o curso, fiz especialização em arquivos (IEB/USP) e depois me formei em Biblioteconomia e Documentação (ECA/USP). Profissionalmente, fiz um pouco de tudo: fui estagiário, terceirizado, celetista, consultor e agora comissionado. Atuei nos setores público, privado e no terceiro setor. Tive experiência tanto em arquivos e bibliotecas quanto em museus. Meu reencontro com o APESP ocorreu em 2015, quando colaborei brevemente com a equipe do Centro de Acervo Permanente na instalação e utilização da plataforma Atom. Sou muito grato à equipe do CAP e ao Marcelo Chaves por esses primeiros contatos. Anos depois, em 2018, participei de rigoroso processo seletivo e fui selecionado. Muito por conta, acredito eu, da experiência que tive nas “intersecções” entre museus, arquivos e bibliotecas. Hoje, tenho satisfação muito grande de participar de uma equipe tão comprometida e qualificada tecnicamente como a que temos aqui no APESP.
Tratamento intensivo no Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca (NBH) do APESP

O acervo do advogado e político Dr. Washington Luís Pereira de Souza foi doado ao APESP em meados da década de 1990. Estima-se em cerca de 7 mil volumes o acervo bibliográfico tratado e guardado no Núcleo de Biblioteca e Hemeroteca do APESP.
Neste ano, o NBH iniciou o processo de higienização e tratamento de remoção de fungos, esporos e sujidades, bem como reparos restauradores do papel.
O tratamento técnico estão sendo desenvolvido por Valdegraça Cunha de Melo, Wilson Viríssimo da Silva e Daniela Araújo Rafael, sob a chefia do diretor Carlos Menegozzo.





Notas
- [*] Entrevista com diretor do NBH, Carlos Menegozzo, realizada pela equipe de Editoria do CDAP/APESP, entre os meses de agosto e setembro de 2019.