A institucionalização da Comissão Nacional da Verdade por meio da Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, significou, de fato, um marco histórico e importante conquista daqueles que lutam contra a impunidade aos crimes de graves violações de direitos humanos. No entanto, essa mesma Lei teve seu alcance limitado, expresso nos verbos que compõem as suas atribuições: esclarecer, identificar, promover, encaminhar, colaborar e recomendar. Na perspectiva da Lei, não há indícios para a necessária promoção da punição aos crimes de violação dos direitos humanos cometidos pelos agentes públicos, certamente na expectativa de “efetiva reconciliação nacional”, conforme texto do ato normativo. No entanto, a punição é necessária não apenas para reparar erros do passado, mas para não comprometer o nosso futuro.
À Comissão também não foram garantidos instrumentos que pudessem fornecer apoio logístico ao gigantesco trabalho a ser desenvolvido. Aliado a esse fato, a determinação do prazo de vigência da Comissão ao período de dois anos, praticamente condenou-a ao trabalho apressado e voluntarista que poderia comprometer a consistência das suas conclusões.
Contudo, o desafio estava lançado. Sete controversos nomes receberam a missão de produzir nesse exíguo tempo, relatório que tinha o compromisso de passar a limpo os 21 anos dolorosos de ditadura.
“[...] a punição é necessária não apenas para reparar erros do passado, mas para não comprometer o nosso futuro.”
Porém, por onde começar? Quais seriam as estratégias para desvendar e narrar a ação repressiva e criminosa do Estado brasileiro, em associação com poderosos empresários, auxiliado por governos estrangeiros durante mais de 20 anos? Ação que atingiu instituições, militantes políticos e cidadãos comuns. Como produzir provas para dar sustentação à narrativa das barbaridades cometidas pela ditadura. Quais seriam os braços a dar conta dessa tarefa quase impossível?
Sobre a Comissão Nacional, consultar: http://www.cnv.gov.br
O Brotar das Comissões
As alternativas vieram de forma quase espontânea. Setores da sociedade criaram autonomamente os seus mecanismos institucionais para dar substância ao relatório da CNV. Várias comissões de verdade foram criadas por categorias de trabalhadores, universidades e instituições do poder executivo e legislativo em várias esferas de entes federativos. O Relatório da Comissão Nacional confirma:
A instalação da CNV criou um cenário favorável para o surgimento, por todo o país, de um grande número de comissões da verdade estaduais, municipais, universitárias, sindicais e de entidades. Hoje, já são mais de uma centena as instituições dessa natureza, com diferentes regimes jurídicos, que perfazem uma rede bastante ativa. A CNV procurou fomentar a criação dessas comissões, entendendo que o trabalho delas seria de grande ajuda à atividade de pesquisa realizada pela CNV, o que, de fato, acabou ocorrendo. (Comissão Nacional da Verdade – relatório – volume I, p. 67 – dezembro de 2014)
Ao serem instituídas, as Comissões elegiam os seus representantes formais, compostos por nomes ilustres ligados à luta pela democracia e pela justiça. Porém, efetivamente, quem ia à campo para pesquisar, elaborar, entrevistar, reunir e processar informações, eram equipes contratadas por escassos recursos ou formadas por voluntários em prol da causa.
A Revista do Arquivo elaborou esta reportagem a partir das entrevistas com cinco dessas Comissões. Acreditamos que elas sejam representativas desse universo.
Comissão Estadual
A Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, denominada de “Rubens Paiva”[1] foi instituída pela Resolução n° 879, de 10/02/2012, por iniciativa de familiares de mortos e desaparecidos e alguns parlamentares da Assembléia Legislativa de São Paulo (ALESP), e funcionou no prédio da mesma Assembleia. Os membros efetivos foram Adriano Diogo (PT) – Presidente, Marcos Zerbini (PSDB), André Soares (DEM), Ed Thomas (PSB) e Ulysses Tassinari (PV).
Os trabalhos dessa Comissão foram executados por voluntários mas também por equipe contratada por meio de convênio entre a CNV e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD[2]), que resultou em edital para seleção de pesquisadores. Foram contratados 5 pesquisadores que possuíam formação em direito, ciência política, gestão ambiental, antropologia, que realizaram pesquisas e elaboraram relatórios no incrível prazo de cerca de 8 meses!
Coordenada por Amélia Teles, essa equipe fez o que esteve ao seu alcance, sem plano estratégico bem definido. Conforme informam Carolina Bissoto e Pádua Fernandes, partiu-se de 168 dossiês de perfis dos mortos e desaparecidos do estado de São Paulo que já haviam sido organizados pelos familiares. Cruzaram-se informações da base de dados com os arquivos acumulados pelos familiares, por meio do Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE[3]). Partia-se do fato, morte ou desaparecimento, montava-se a biografia, a história, as circunstâncias da morte ou desaparecimento, dos documentos já existentes e daqueles encontrados nas pesquisas. A partir desse material, tentava-se ampliar as informações sobre o perfil dos desaparecidos. Além dos arquivos dos familiares, pesquisou-se nos DEOPS de São Paulo e de outros estados, arquivos do Brasil Nunca Mais[4], revistas e jornais da época, documentos do Projeto Memórias Reveladas, diário oficial e material bibliográfico.
A Comissão Rubens Paiva encerrou os seus trabalhos no dia 14 de março de 2015, produziu extenso relatório e excepcional acervo gravado em vídeo, a partir de depoimentos, que podem ser acessados por meio do link https://www.youtube.com/user/comissaodaverdadesp.
No município de São Paulo
Por iniciativa do Poder Executivo do município de São Paulo, em setembro de 2015 criou-se Comissão integrada por Tereza Cristina de Souza Lajolo, Audálio Dantas, Cesar Antônio Alves Cordaro, Fermino Fechio e Fernando Morais, este último substituído por Adriano Diogo. Esta Comissão funciona no Arquivo Histórico Municipal e sua estrutura é composta por um secretário executivo, uma secretária auxiliar e cinco assessores técnicos.[5] Milena Fontes pertence a esse quadro técnico; foi ela quem atuou de forma mais ativa nas pesquisas no APESP e é dela o depoimento obtido para a Revista.
A Comissão Municipal estruturou quatro eixos temáticos para as pesquisas: I – Cemitérios e Indigentes, II - Estrutura legal do regime de exceção, Comissões de Investigação e Perseguição a Trabalhadores, III - Estrutura de Cooperação da PMSP com os aparelhos repressivos (municipal, estadual, federal) e IV - Cooperação entre as Empresas e Instituições com a Ditadura Militar.
Segundo Milena Fontes, a Comissão investiga possível colaboração da Prefeitura com a estrutura de repressão, perseguição a servidores municipais por meio de atos legais, comissões de investigação; o papel dos empresas e empresários que teriam sido incentivados pela Prefeitura com doação de terreno cessão de impostos etc..
Milena cita estruturas pertinentes ao âmbito municipal que participam desse esquema da repressão, destacando o papel dos cemitérios, especialmente o cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus.[6]
Mais informações sobre a Comissão da Verdade do executivo municipal: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade /secretarias /upload /direitos_humanos /CMV-PMSP.
Comissão da Verdade Marcos Lindemberg - UNIFESP
As universidades estiveram no centro da vigilância ostensiva dos aparelhos de repressão da ditadura. São conhecidos casos emblemáticos de perseguição e desaparecimento de estudantes e professores universitários. Entretanto, a ação da repressão alcançou espaços de produção acadêmica que não teve a devida visibilidade. É o caso da Universidade Federal de São Paulo que criou a sua Comissão da Verdade, denominada de Marcos Lindenberg[7] em junho de 2013, com o objetivo de “examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar, compreendendo o período entre 1º de abril de 1964, data do golpe de estado, e 05 de outubro de 1988, dia de promulgação da nova Constituição, envolvendo membros da comunidade universitária, incluindo docentes, alunos, funcionários, bem como pessoas prejudicadas por atos da instituição, ainda que sem vínculo formal com esta.”[8]
Segundo documento da Comissão, “Ao contrário do que pode parecer, para aqueles que não estão familiarizados com as comissões da verdade, o seu objetivo não é estabelecer uma verdade única e inquestionável. Mais importante do que concordar sobre a verdade, é necessário investigar os fatos e permitir o restabelecimento do debate público sobre acontecimentos oficialmente negados, mas que efetivamente ocorreram, e que não deixam de assombrar o passado recente da nossa universidade. Como gostava de afirmar Zilah Wendel Abramo, que representava a Comissão de Mães na seção paulista do Comitê Brasileiro pela Anistia ao final dos anos 1970, num dado momento é preciso romper com a cumplicidade passiva do silêncio”.[9]
A professora de História Contemporânea Ana Lúcia Lana Nemi é uma das componentes da Comissão na Unifesp. Ela explicou à Revista do Arquivo que a CVML procura responder as seguintes questões:
- De que maneira a comunidade universitária foi afetada pela Ditadura Militar?
- Quem foram os professores, alunos e funcionários, diretamente prejudicados pelo regime de força que se instalou? Quem foi fichado nos arquivos do DOPS, quem foi citado em inquéritos policiais e acusado de cometer crimes políticos, quem foi submetido a torturas, quem foi preso, quem foi excluído da universidade, quem teve que se esconder na clandestinidade, quem veio de outras universidades e encontrou abrigo na Unifesp?
- Qual foi o impacto causado por esses acontecimentos na organização do movimento estudantil?
- Quais foram os mecanismos de vigilância instalados dentro da universidade?
“Mais importante do que concordar sobre a verdade, é necessário investigar os fatos e permitir o restabelecimento do debate público sobre acontecimentos oficialmente negados, mas que efetivamente ocorreram [...].”
As informações coletadas e organizadas pela Comissão da Verdade “Marcos Lindenberg” são obtidas a partir de documentos existentes na universidade, de arquivos oficiais e de depoimentos de pessoas que testemunharam fatos que aconteceram no período em questão. Para maiores informações sobre esta comissão: http://www2.unifesp.br /comissaodaverdade.
A classe operária vai ao Arquivo
A Comissão Nacional da Verdade é instituída em novembro de 2011 e instalada em maio de 2012. No momento de sua estruturação, prevê-se a organização em torno de eixos temáticos e criação de Grupos de Trabalhos (GT’s). Foram 13 GT’s criados, inicialmente.
Exatos 11 meses após a sua instalação, já decorrida metade do prazo de vigência da CNV, esta divulga a notícia de criação do GT Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical. O que teria acontecido durante esse lapso de tempo de quase um ano nos bastidores da CNV? Muita controvérsia, com certeza, afinal, as discussões no interior da Comissão Nacional e também no âmbito da sociedade, esteve longe do consenso. Teria sido o GT Trabalhadores, como passará a ser chamado nesta matéria, um desses motivos de dissenso na CNV?
As entrevistas realizadas pela Revista do Arquivo trazem à luz alguns detalhes a esse respeito. Milena Fontes foi uma das mais atuantes pesquisadoras do GT Trabalhadores no APESP e, segundo ela, a CNV, a princípio, não entendia que a classe trabalhadora, os sindicalistas, tinham direito a esse Grupo de Trabalho. Então, formou-se uma pressão dos movimentos sindicais, dos movimentos de memória política, velhos militantes que se organizaram e pressionaram para que fosse criado o Grupo de Trabalho.
Salvador Pires afirma que quem coordenou o GT Trabalhadores, do começo ao fim, foi a Dra. Rosa Cardoso, pessoa formidável, com inteligência, coragem, disposição. O operário Sebastião Neto[10] foi convidado para ajudar e ele ficou como uma espécie de liderança para secretariar a Dra. Rosa. Os dois compõem o corpo do GT, com todas as centrais sindicais. Abriu-se também a possibilidade de expor as experiências populares que também sofreram o peso da repressão.
Os entrevistados da Revista do Arquivo deram testemunhos sobre a metodologia de organização do GT Trabalhadores, em São Paulo, demonstrando a articulação voluntária de militantes para garantir o funcionamento do GT. Sueli Bossan destaca a coincidência do Projeto Investigação Operária[11] com os trabalhos do GT Trabalhadores, que se reforçaram mutuamente. Esse Projeto mobilizou trabalhadores que atuaram na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo entre as décadas de 1970 e 1990. Foram realizadas reuniões nas várias regiões da cidade de São Paulo para incentivar e tomar depoimentos de trabalhadores que foram diretamente atingidos pela política repressiva do Estado, tendo como consequência a perseguição nas fábricas, demissões etc..
Salvador Pires realça a falta de estrutura. Faltava muita informação e a CNV não tinha grana para pagar um corpo técnico de pesquisadores acadêmicos. O que se poderia fazer? Nesse particular, nenhuma central sindical se dispôs a bancar equipes para pesquisa, segundo Pires. Por esse motivo, a equipe que trabalhou no Projeto de Investigação Operária, composta por operários, como Salvador Pires e Vicente Ruiz e militantes de movimento populares, como Rosi Moreno e Sueli Bossan, foi destacada para realizar as pesquisas no Arquivo do Estado.
“[...] mexer com documentos não é algo tão simples. Encontrá-los, analisá-los, enfim, não é uma coisa que qualquer um faz o tempo todo, não é algo que se resolve numa semana; é um trabalho demorado.”
A CSP Conlutas[12], uma das centrais sindicais que compôs o GT Trabalho, destacou pesquisadores voluntários, como no caso de Luci Praun e Cláudia Costa, ambas professoras universitárias. Então, nós passamos a participar como Central e eu entrei como assessora da central, para que ficasse responsável pela representação e para dar continuidade ao trabalho. Mas isso tem a ver com o objetivo do GT dos trabalhadores dentro da Comissão da Verdade, que era tentar explicitar a repressão cometida pelas empresas durante a ditadura militar, relata Cláudia.
Luci lembra que a realidade é bem desigual de uma entidade para outra, porque a gente vai ter sindicatos que terão mais dificuldades... até porque mexer com documentos não é algo tão simples. Encontrá-los, analisá-los, enfim, não é uma coisa que qualquer um faz o tempo todo, não é algo que se resolve numa semana, é um trabalho demorado. E, no geral, não se tem essa prática. Além do mais, os sindicatos são engolidos por demandas do dia a dia e acabam não fazendo. Quem melhor fez isso, posso estar errada, foram os sindicatos que formaram dentro das entidades equipes de pesquisa.
Para as pesquisadoras, os sindicatos que contrataram equipes mais especializadas, junto com dirigentes sindicais, com a tarefa específica de olhar os documentos e analisá-los, tende a produzir relatórios mais consistentes. Ou em casos muito particulares como desses operários que tomaram para si a tarefa, vieram e se interessaram, se empolgaram com processo de pesquisa. Não adianta achar que a diretoria do sindicato vai dar conta, complementa Luci.
Visite o blog do GT: http://trabalhadoresgtcnv.org.br.
Na Universidade de São Paulo
Na Universidade de São Paulo, a Comissão da Verdade foi criada em 2013 e ainda está em funcionamento, aprofundando as pesquisas. Pedro Luiz Stevolo, Evelyn Lauro e Natália Pinto são membros da Comissão e visitantes frequentes do salão de consultas do APESP. Stevolo foi o responsável pelo contato da Comissão com a equipe da Revista do Arquivo.
A Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo, criada pela Portaria GR nº 6.172, de 07 de maio de 2013, tem como principal atribuição examinar e esclarecer as graves violações dos direitos humanos ocorridas no período compreendido entre 31 de março de 1964 a 05 de outubro de 1988, no âmbito da Universidade de São Paulo.
São objetivos da Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo:
- esclarecer as graves violações dos direitos humanos;
- levantar os casos de cassação, aposentadoria compulsória, mortes ou desaparecimento por motivações políticas de professores, funcionários e alunos;
- caracterizar as estruturas de controle, monitoramento e inteligência instaladas no âmbito da Universidade de São Paulo;
- apontar casos de perseguição política de alunos da Universidade de São Paulo e casos de prisão, tortura, morte e desaparecimento por motivações políticas;
- identificar eventuais doutrinas e instrumentos jurídicos criados, no âmbito da Universidade de São Paulo, para apoiar ou justificar o regime político-social então vigente;
- levantar dados e documentos referentes ao processo de organização da resistência no âmbito da Universidade de São Paulo.
Ficha de Terezinha de Godoy Zerbine – DOPS/Paraná – 50-Z-71-1210
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /anistia /DEOPS50Z071001211.pdf
Sujeitos e vítimas do golpe militar
O objetivo central do GT Trabalhadores é investigar e construir provas do envolvimento direto dos empresários no sistema de repressão montado pelos militares. Nesse sentido, os entrevistados das comissões deram destaque para um aspecto pouco tratado quando se refere ao regime ditatorial implantado em 1964. Em geral, as imagens produzidas para representar o fenômeno da ditadura fazem referência à roupagem militar na atividade de repressão. Esse destaque ofusca o protagonismo assumido por civis, em especial representantes de grandes e médias empresas e a interferência estrangeira no processo de planejamento e manutenção do golpe.
Milena Fontes relata que o golpe militar foi contra a classe trabalhadora, como uma forma de fortalecer o modelo econômico que atendesse aos interesses do grande capital internacional, já que os trabalhadores, desde a década de 1940, vinham conquistando certas garantias trabalhistas (CLT, 13º salário, férias etc.), as organizações dos trabalhadores estavam se fortalecendo. O golpe implantou o modelo do “milagre econômico”, que se baseia na concentração de renda, arrocho salarial e muitas horas extras. Com isso o Brasil teve um crescimento econômico gigantesco, mas com um alto custo, com opressão e controle e toda repressão à classe trabalhadora para que o modelo desse certo.
Ou seja, as pesquisas indicam participação ativa de muitas empresas, brasileiras e estrangeiras, na política geral da ditadura, e os documentos são incontestes quando mostram como essa macro política se traduz no chão das empresas.
Conforme Luci Praun, os documentos mostram como os empresários fomentaram esse processo, porque financiaram (isso nós já temos comprovadamente em documentos), mas depois como estabelecem uma relação de perseguição e mapeamento dos trabalhadores e que em muitos lugares isso gerou demissão, prisão e tortura. E o objetivo do GT era exatamente esse, mostrar como os trabalhadores sofreram no período da ditadura militar.
“O golpe implantou o modelo do “milagre econômico” [...]. Com isso o Brasil teve um crescimento econômico gigantesco, mas com um alto custo, com opressão e controle e toda repressão à classe trabalhadora para que o modelo desse certo.”
Desde 2009, Carol Bissoto pesquisa exatamente a efetiva colaboração de empresários em processos que implicam graves violações dos direitos humanos e afirma não haver muitas pesquisas sobre o tema.[13] Ela pesquisou no Diário Oficial do Estado de São Paulo entre os anos de 1969 e 1970 onde aparecem doações de empresas ao DEOPS, como carros e outros bens. Tem listas e mais listas onde aparecem a Chevrolet, Mercedes, Volks, doando carros ao DEOPS. É comum encontrar também notas de elogios à OBAN, ao trabalho da OBAN, mostrando que a OBAN não era tão escondida e clandestina. Quatro dias depois da morte do Marighela, a capa do D.O. é um elogio ao trabalho da OBAN[14].
Salvador Pires lembra do recente episódio noticiado na imprensa em que um ex-operário da Volks, Lúcio Belantani foi preso sob a mira de metralhadoras em seu posto de trabalho, espancado dentro do departamento pessoal da empresa e levado diretamente ao DOI-CODI,onde foi torturado por 45 dias seguidos, em 1972. O metalúrgico ficou preso durante dois anos mesmo sem ter sofrido qualquer tipo de condenação. Segundo o Relatório do GT, foram presos nesse mesmo episódio, mais de 20 metalúrgicos, a maioria da Volkswagen e o restante da Mercedes, da Perkins e da Metal Leve.[15]
Porém, mesmo com tantas evidências, o doutor em direito, Pádua Fernandes, explica as dificuldades em se fazer isso chegar até o Poder Judiciário. Pádua afirma que a questão não depende apenas da existência de documentos, mas de vontade política e do chamado consenso político das elites em relação à repressão, isso no Executivo e no Judiciário. Ele explica que só no arquivo do DEOPS tem mais documentos do que em toda Argentina, mas, ainda assim, no país vizinho os processos tiveram muito mais consequências do que no Brasil. Se base documental fosse suficiente, teríamos uns 10 mil processos no Brasil. Pádua relata sobre os inúmeros documentos que revelam as empresas maiores ou menores solicitando os serviços do DOPS para aplacar movimentos de trabalhadores referentes a questões trabalhistas.
“[...] a justiça sempre age politicamente.”
Pádua Fernandes apresenta vários exemplos evidenciando que a questão do trabalho é vista como caso de polícia desde a República Velha. A espionagem, mesmo antes de 1964, corriam até dentro da Justiça do Trabalho; acordos coletivos são relatados no DOPS; luta por percentual de insalubridade nos locais de trabalho, isso vira matéria do DOPS; havia seguranças do DOPS atuando dentro das empresas.
Pádua é enfático em afirmar que a justiça sempre age politicamente. Dá o exemplo da Lei de Anistia vista como um grande entrave para a judicialização dessa questão. Quando ela é votada no Congresso em 1979, as atas mostram que o projeto foi imposto pelo governo, com sua maioria parlamentar, via pacote elaborado por um congresso que é fruto de intervenção do governo via cassações, obliteração da lei eleitoral, senadores biônicos, que vem do pacote de 1977. Quando sai a Lei, ninguém sabe qual o efeito dela porque a questão dos crimes conexos[16], em termos de técnica jurídica não alcança o torturador. A ambiguidade da Lei da Anistia deixa margem para interpretação. E quem vai fazer essa interpretação? É o Judiciário, decisão coroada pelo STF em 2010, o que contraria a própria Constituição Federal de 1988 que diz que a Lei é para defender aqueles que foram atingidos pelos atos de repressão. Esse julgamento ainda está em aberto.
O doutor em direito cita episódio relatado por Fábio Konder Comparato[17] em que, na véspera do julgamento, o então presidente Lula chama todos os ministros do supremo para jantar e os pressiona a votar a favor da Lei de Anistia, ou seja, houve a interferência até do chefe do Executivo Federal para que a Constituição de 1988 não fosse aplicada.[18] Também houve forte influência dos meios de comunicação, O Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, jornais que colaboraram com a ditadura, defendendo uma interpretação da Lei de Anistia.
Carolina afirma que no caso da Volks há provas contundentes, como os depoimentos de operários, as chamadas “listas negras”, a base do DOPS dentro da Volks. A Folha de São Paulo emprestava carros à operação OBAN. Sua conclusão segue na mesma linha do Pádua: falta é a vontade política. Não sei se esse processo da Volks vai adiante, pode ser que a Volks pague alguma indenização, talvez vire um TAC, um memorial, mas não acho que haverá punição.
“O que eu acho que na verdade é o mais importante de tudo isso: mostrar um funcionamento de um sistema e o quanto a força empresarial está por trás do governo de um País, de um Estado, e de que maneira ela move.”
Pádua afirma que no volume II do Relatório da CNV aparece a questão da perseguição aos trabalhadores, onde se reconhece a violação dos direitos trabalhistas, dos direitos sociais, mas que isso não configura grave violação de direitos humanos, ou crimes contra a humanidade, portanto, são crimes prescritos. Mas, ele alerta que nos casos que envolvem tortura não caberia prescrição.[19]
Carolina Bissoto defende a responsabilização dos empresários por cumplicidade. Porém, ambos concordam de que o contexto político atual não é favorável para essa leitura mais crítica em relação à judicialização do envolvimento das empresas nos crimes de violação dos direitos humanos.
Claudia Costa, da CSP Conlutas reitera que o maior objetivo dessas pesquisas é comprovar a relação das grandes empresas com a repressão no país. Já se sabia disso, os trabalhadores denunciavam, mas não ficava claro. Com a documentação nós comprovamos. O que eu acho que na verdade é o mais importante de tudo isso: mostrar um funcionamento de um sistema e o quanto a força empresarial está por trás do governo de um País, de um Estado, e de que maneira ela move. Aqui mostra que eles estão por trás da repressão, eles sustentam um trabalho da repressão.
Resistência
Aspecto importante de tudo isso, e que nos parece pouco abordado, é que a análise dos documentos revelam procedimentos de resistência dos trabalhadores ao processo de repressão levado à cabo pela ditadura no âmbito das empresas, como relata Luci Praun. Dá a impressão de que o golpe não teve resistência e de que foi um “grande passeio”, de que os militares foram lá e todo mundo topou. E na Petrobrás não foi assim, houve resistência. Houve processos de resistência bastante fortes no interior da empresa. Evidentemente que não conseguiram dar resultado, porque essas resistências eram muito isoladas no país, mas, mesmo na sua fragmentação, houve ações importantes. Como a organização dessa dentro da Petrobrás é desmontado nos anos seguintes? Essa é outra questão.
Invisibilidade da repressão sobre camponeses e indígenas
Pádua Fernandes aborda outra questão que fica oculta quando se fala do período da ditadura civil militar no Brasil: os efeitos da chamada justiça de transição[20] em relação aos camponeses e aos povos indígenas. Nos relatórios da CNV e de outras comissões aparecem os crimes cometidos contra esses povos, por meio de grilagem de terras e genocídio. Foram feitas 3 audiências públicas. Essa questão aparece nos próprios documentos do DEOPS. Tem pasta sobre a Amazônia, pasta sobre o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), sobre a questão indígena. Há cruzamento de informações que vinham do Ministério do Exército, do Ministério da Justiça, boletim com informações reservadas sobre o comunismo internacional, sobre os mais diferentes temas e de abrangência internacional, como África e América Latina. Ou seja, a questão indígena era tratada dentro do problema do comunismo internacional. Quando é criada a Comissão Pró-Índio de São Paulo, ela é vigiada desde o começo. Isso aparece nos documentos do DOPS de São Paulo e dos DOPS de outros estados. Isso tudo está no acervo desta instituição e foi parar no relatórios das Comissões.[21]
Ainda de acordo com Pádua, a questão indígena era crucial para a ditadura militar devido a política desenvolvimentista, onde os povos indígenas apareciam como obstáculos e que precisariam ser eliminados, fisicamente ou culturalmente.
Sobre essa questão, ver capítulo do Relatório da CNV sobre graves violações dos direitos dos povos indígenas: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf
Boletim da SNI – 06/09/1969 – página 1
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /boletins_SNI /Boletim_06_09_1969.pdf
Estratégias do Estado e de empresários para a repressão: o que revelam os documentos
A participação de empresários no sistema de repressão implantado pela ditadura, apesar de pouco difundida, já é evidenciada em bibliografia sobre o assunto.[22]
O volume I, especialmente as pastes II e III, do Relatório da CNV trata exatamente das estruturas e métodos praticados pelo Estado relacionados às graves violações dos direitos humanos [ver: http://www.cnv.gov.br /images /pdf /relatorio /volume_1_digital.pdf]
Os documentos pesquisados no APESP pelas comissões revelam como se efetivou essa agência nos locais de trabalho. Eles demonstram várias das estratégias utilizadas pelas empresas, com a colaboração de agentes públicos, nos atos de repressão e violação de direitos. Milena cita as conhecidas “listas negras”, melhor denominada agora de “listas sujas”, resultantes da articulação e troca de informações que circulavam entre os RH’s de diversas empresas. Também cita o método de infiltração dos agentes do DEOPS nas assembleias e movimentos de trabalhadores, que descreviam atitudes e comportamentos destes para entregar às empresas. Relata atitudes de empresa que entrega listas de funcionários ao DEOPS, com registro funcional, nome completo e local de residência. Isso evidencia essa estrutura de repressão. Esses documentos se encontram no arquivo do DEOPS e as informações neles encontradas são cruzadas com depoimentos de trabalhadores que denunciavam que nunca conseguiam encontrar emprego. Milena cita lista de 473 grevistas detidos na greve de 1979. Ou seja, 473 pessoas foram listadas e presas por participar de uma greve, e é uma greve por reivindicação salarial. E essas pessoas às vezes nem sabiam e ficaram fadadas ao desemprego. Às vezes, a pessoa participou e nem era militante e tem seu nome fichado.
DEOPS, Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e Sindicatos: parceiros na repressão
Sueli Bossan confirma que a empresa mandava a ficha de trabalhadores para o DEOPS. Na ficha do DEOPS há registros tais como “recebemos a ficha funcional de fulano de tal. Vicente Ruiz cita seu próprio caso em que a minha ficha funcional chega ao DEOPS junto com a minha entrevista e com o boletim que distribuí na porta da Telefunken na greve. Essa é prova incontestável. Rosi Moreno complementa que pegou várias vezes registros em que o sindicato agradece ao DEOPS a intervenção que fez nas greves. O DEOPS fazia o trabalho da DRT, fazia a negociação, resolvia problemas. Salvador diz que havia uma ligação estreita entre a DRT e a repressão. A DRT se comunicava com o chefe da Polícia Federal e vice-versa. Para ele, o DOPS, fundado em 1924, vem com objetivo de prestar serviços às empresas. Os empresários que custearam a estrutura de repressão. Eles se cotizavam entre eles.
“Localizei 113 momentos, em locais diferenciados, em que tinha um agente da repressão em calcanhar, nós operários tínhamos uma perseguição sistematizada sobre nós e não tínhamos conhecimento sobre isso.”
Sueli revela haver cartas relatando “fomos muito bem recebidos pelo chefe de departamento de pessoal dr. fulano de tal que nos forneceu os dados dos dirigentes da greve…tem bastante relatórios”. Salvador aponta a colaboração de sindicatos com a repressão: fica clara a repressão patronal, repressão de Estado e uma repressão que usava o braço sindical dos trabalhadores, que nós chamamos de pelegos, como instrumento de repressão. O histórico do sindicato da borracha mostra a camaradagem entre os seus diretores e o DEOPS. Esse contato com essa nossa ficha causa um baque. Quando pedi os meus antecedentes em Brasília, me mandaram um catatau com 700 páginas e eu fiz minha defesa na Comissão de Anistia. Localizei 113 momentos, em locais diferenciados, em que tinha um agente da repressão em calcanhar, nós operários tínhamos uma perseguição sistematizada sobre nós e não tínhamos conhecimento sobre isso. As assembleias dos metalúrgicos estavam cheias de agentes da repressão e seguiam os militantes para ver onde moravam.
“[...] a ditadura não é um fenômeno externo a penetrar de forma autoritária e despótica numa instituição. Ao contrário, a ditadura é um tecido costurado cotidianamente por meio das relações humanas na micro política institucional.”
Rosi Moreno observou como as diferentes grafias nos relatórios e também uso de linguagem bem típica de militante, o mesmo jeito de falar, vícios de linguagem, o que indica que era gente do nosso meio atuando para a repressão. Reuniões com oito pessoas, sendo que um deles era da repressão.
Métodos similares aos utilizados nas fábricas também ocorriam nas universidades. As pesquisas da Comissão na Unifesp revelam muito mais do que a ação dos braços da repressão na instituição. Os documentos reveladores dessa história recente mostram a imbricação da macro política do Brasil com as lutas internas em uma instituição que atravessava por momentos decisivos na sua formação[23]. Mostra também, que a ditadura não é um fenômeno externo a penetrar de forma autoritária e despótica numa instituição. Ao contrário, a ditadura é um tecido costurado cotidianamente por meio das relações humanas na micro política institucional.
Ana Nemi destaca trecho de ata de reunião da Congregação, realizada já no dia 9 de abril de 1964:
“Foi dada a palavra pela ordem ao Professor Doutor Antônio Bernardes de Oliveira, que (...) apresenta a seguinte proposta: ‘Proponho que seja enviado, simultaneamente, ao Governo do Estado e ao II Exército, a relação completa dos componentes dos quadros docente, administrativo e discente da Escola Paulista de Medicina e Hospital São Paulo, para efeito de obter-se informações quanto à atuação dos mesmos na trama quanto ao regime, e ainda; proponho que sejam tomadas medidas para a devida punição, inclusive com o afastamento de suas posições e funções, de todos aqueles professores, auxiliares de ensino e funcionários outros de qualquer categoria que possam ser considerados nocivos à consolidação da remodelação democrática visada pela revolução.’”
Segundo Nemi, outros docentes se ofereceram para participar dos Inquéritos Policiais Militares que seriam instaurados nos meses seguintes, com a finalidade de identificar e punir os chamados subversivos (inclusive vários estudantes, criando uma situação terrível: a do professor que acusa o seu próprio aluno, sabendo que pode mandá-lo para a cadeia).
Dezenas de prontuários individuais e dossiês referentes à Escola Paulista de Medicina – faculdade mais antiga da UNIFESP – foram descobertos pela equipe de pesquisadores. Ao todo, foram levantados 24 casos daquilo que é considerado, no linguajar das Comissões da Verdade, “grave violação dos Direitos Humanos”. A ideia é compilar e digitalizar esse material, para que ele possa ser divulgado no site da Comissão, acessado pelo público em geral e utilizado pelas vítimas da repressão política e suas famílias.
Os vários tentáculos da ditadura no interior da Petrobrás
Uma enorme quantidade de documentos digitalizados dos arquivos da Petrobrás, por iniciativa da CNV, foi entregue ao Arquivo Nacional. São vários tipos documentais que revelam de forma límpida e contundente o esquema montado pelos órgãos de repressão da ditadura dentro das empresas, principalmente naquelas consideradas estratégicas.
O caso da Petrobrás é simplesmente emblemático. As pesquisadoras Luci Praun e Cláudia Costa, que coordenam e realizam a pesquisa com essa documentação aqui em São Paulo, revelam que ela ainda não é conclusiva, mas que é possível fazer uma primeira radiografia da estrutura de controle e repressão montada dentro da Petrobrás desde os primeiros dias do golpe militar de 1964.
“A comissão começa a funcionar com a infiltração de 16 estudantes da escola do Exército. Eles selecionam esses estudantes, que já são oficiais do Exército, e esses agentes são colocadas nos diferentes setores da empresa, e a primeira lista de pessoas a serem investigadas vem desses infiltrados.”
Num primeiro momento formou-se na Petrobrás a Comissão Geral de Investigação (CGI)), afirma Luci. A investigação sumária de servidores já estava prevista no artigo 7º do Ato Institucional nº 1,de 08 de abril de 1964 e o Governo Federal formaliza a Comissão Geral de Investigação por meio do Decreto nº 53.897, de 27 de abril de 1964.[24] Mas,na Petrobrás, por uma razão específica que os militares têm da empresa considerada estratégica para o projeto de desenvolvimento nacional, eles vão constituir uma CGI própria. Os documentos a que tivemos acesso informam que ela se forma ali, por volta de uma semana após o golpe, em 8 de abril de 1964, conclui Luci.
A pesquisadora narra alguns detalhes dessa Comissão. A Comissão começa a funcionar sem nenhuma legalidade, se é que podemos dizer que havia alguma legalidade nas ações da ditadura, mas eles tentam a todo tempo transparecer que estão agindo na legalidade; mas ela passa a agir sem ser formalizada. E quando a CGI passa a funcionar ela tem um objetivo declarado em um dos documentos a que tivemos acesso, que é o seu relatório. Esse relatório é fruto de 6 meses de trabalho dessa comissão, e vai de abril até outubro, quando eles o entregam.
A comissão começa a funcionar com a infiltração de 16 estudantes da escola do Exército. Eles selecionam esses estudantes, que já são oficiais do Exército, e esses agentes são colocados nos diferentes setores da empresa, e a primeira lista de pessoas a serem investigadas vem desses infiltrados. Inicialmente, os números são em torno de 194 trabalhadores que eles listam nesta primeira ida aos setores. Esse foi o ponto de partida em abril dessa infiltração, e a partir dessas primeiras “investigações” (entre aspas, porque é bárbaro o negócio...), eles vão aos locais de trabalho e começam a conversar com um e com outro, e a informar que fulano é comunista, que fez tal coisa, e essa pessoa já começa a ser alvo do processo de investigação. E os relatos são assim: “Há informações de que é comunista”, “Há informações de que é subversivo”, “Há informações de que é ligado ao partido comunista ou ao sindicato”, e isso é o suficiente para que a pessoa passe a fazer parte da lista. Depois essa lista vira algo em torno de 3 mil pessoas investigadas, é um número muito grande. Pelo que a gente calculou por meio desse relatório, a Petrobrás tem, em 1964, algo em torno de 36 mil trabalhadores; significa que 8% das pessoas foram investigadas no Brasil todo. E dessas 3 mil pessoas, 712 são indiciadas nesses primeiros 6 meses.
Cria-se uma comissão de inquérito policial militar. E essas comissões entram em contato por carta com os indiciados. Os documentos mostram a relação dessas comissões com a Polícia Federal.
São mais de 130 mil fichas que estão numeradas na frente que vão até o período posterior à ditadura. Essas fichas têm esse tipo de documentação, uma fichinha que chama “ficha de controle e levantamento sócio funcional”, e depois vão mudando de nome, onde se checa no SNI e em tudo que é lugar se consta algo sobre aquela pessoa. 132 mil, então, é muita coisa. Se o trabalhador vai numa viagem representando a Petrobrás, ele é investigado; se ele é promovido, ele é investigado; se ele vai admitido, ele é investigado.
Estrutura de informações para repressão na Petrobras
Nos relatórios constam comunicação entre os órgãos. Essa relação está claramente estabelecida. As ações da CGI contariam com a colaboração dos estados maiores regionais das forças armadas, das delegacias de ordem política e social, dos relatórios dos interventores militares, das sindicâncias efetuadas pela Petrobrás, das diligências, dos depoimentos, das análises e interpretações de documentos. Isso consta do relatório da CGI, eles estão mostrando qual a composição da investigação.
Segundo Claudia, os veredictos das investigações eram sumários: outra dessas comprovações, que também está no relatório da empresa, diz o seguinte: “Pela conclusão das averiguações policiais que mandei proceder, verifica-se que os fatos apurados constituem crimes previstos na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal”.
“Essa estrutura estabelece toda a relação de troca de informação com os DEOPS locais e etc., então há uma estrutura nacional que se enraíza para as estruturas estaduais e para dentro das refinarias com a chefia de segurança.”
O vínculo também se estabelece numa estrutura de segurança interna, que é o que a gente encontrou num dos ofícios da RECAP – Refinaria de Capuava - de 1974, que, tenho como hipótese de que essa estrutura se repete em todas as refinarias, que é a constituição de uma coordenação geral de segurança da Petrobrás que vai estar ligada à Divisão de Informações (DIVIN). Então, o Cel. Fausto de Carvalho, que é o chefe da DIVIN, é diretamente responsável por essa coordenação de segurança.
A DIVIN se constitui depois do trabalho da CGI, que é extinta pelo Decreto nº 54.609, de 26 de Outubro de 1964. A CGI, realizou as investigações sumárias conforme previsto no A-1. Depois que ela faz essa primeira “limpa” em seis meses de trabalho, o processo passa a ser um pouco mais lento e vai se constituindo uma estrutura interna, de forma que desse conta disso de maneira regular, comandada a partir da DIVIN, que tinha o Coronel Fausto de Carvalho Monteiro como seu coordenador. A partir dessa coordenação que funciona no Rio de Janeiro (por isso a gente supõe que seja em todas as refinarias), essa coordenação geral vai se ligar ao coordenador regional aqui no estado de São Paulo, que é o General Elisário Paiva, conforme consta nesse ofício, e depois ela estabelece uma ligação por refinaria, o ofício é da RECAP então é alguém da RECAP, uma pessoa chamada Manuel Molica, que é o chefe do serviço de vigilância. Essa estrutura estabelece toda a relação de troca de informação com os DEOPS locais e etc., então há uma estrutura nacional que se enraíza para as estruturas estaduais e para dentro das refinarias com a chefia de segurança.
As pesquisadoras reiteram que ainda há muito a se investigar. É um trabalho que está no início. Sequer se pesquisou na documentação do DEOPS para fazer cruzamentos, relata Luci na entrevista à Revista.
Na USP, roupagem legalista
A pesquisa realizada até o presente momento permite concluir que a perseguição levada a cabo na Universidade de São Paulo reproduz algumas características peculiares ao regime militar brasileiro como um todo, em contraste com o ocorrido mais ou menos simultaneamente em outros países da América Latina.
Trata-se de procedimentos que buscam conferir uma roupagem legalista aos atos de perseguição, dificultando, portanto, uma responsabilização individualizada.
Os processos de docentes, pesquisados até o momento pela Comissão da Verdade, revelam que os mecanismos de exclusão operacionalizados com o intuito de expurgar da USP indivíduos defensores de ideias opostas às diretrizes do regime de exceção, eram sempre produzidos dentro dos limites do direito administrativo positivo. Mais do que isso, foi no direito administrativo que as estruturas de perseguição instaladas na Universidade de São Paulo encontraram, no período que se estende de 1970 a 1982, seu mais importante instrumento de ação.
Um dos principais mecanismos utilizados para perseguir foi a “cassação branca”, a exclusão de docentes dos quadros da Universidade supostamente por motivos legais, ou ainda, o bloqueio da contratação de determinados indivíduos. Também sob o amparo da lei e dos regimentos da USP foi possível evitar o reingresso de alguns alunos, vítimas de perseguição, que após alguns anos pretendiam retornar aos bancos escolares sem se submeter novamente aos exames vestibulares.
A finalidade primordial da AESI, como demonstram os documentos existentes no Arquivo do Estado, era informar aos órgãos de segurança todas as atividades em curso na USP que, de alguma forma, caracterizassem oposição a ordem estabelecida.
A “cassação branca”, conforme se pôde apurar até agora, foi possível por meio da não renovação dos contratos dos docentes envolvidos em processos políticos. Conforme as regras vigentes à época, o docente ingressava, inicialmente, nas folhas de pagamento da universidade, por meio de um contrato a título precário, celebrado normalmente pelo prazo de dois anos. O mecanismo utilizado para excluir o docente consistia na não renovação do contrato. Os argumentos utilizados eram: a ausência de verba, como ocorreu no caso da professora Lucia Coelho, a acumulação ilegal de cargos, como ocorreu no caso do professor José Freitas Nobre e com o professor José Marques de Melo ambos docentes da ECA, ou ainda, o bloqueio da contratação fundamentado em razões de direito eleitoral.
A estrutura de informação para controle e repressão dentro da USP levava o pomposo nome de Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI). Esta Assessoria foi organizada a pedido do reitor, funcionando na universidade com o seu consentimento. A finalidade primordial da AESI, como demonstram os documentos existentes no Arquivo do Estado, era informar aos órgãos de segurança todas as atividades em curso na USP que, de alguma forma, caracterizassem oposição a ordem estabelecida. Também fazia parte de seus objetivos a seleção daqueles indivíduos que poderiam ou não fazer parte da comunidade uspiana. Para se alcançar este objetivo um dos procedimentos utilizados foi a já mencionada “cassação branca”. Por meio dela interrompiam-se de forma aparentemente “legal” os processos de contração de novos docentes. Esta etapa foi apelidada como “terceiro estágio”. O trâmite de um processo de contratação era o seguinte: depois da aceitação e autorização da Congregação para que um professor fosse contratado, o processo seguia para a unidade da reitoria responsável pela comprovação da existência de verbas e de outras exigências legais. Contudo, a partir de 1972 os contratos de novos docentes eram submetidos a outras formas de avaliação em que levavam em conta os antecedentes políticos do candidato. O trabalho era realizado pela já citada AESI ou ASI (Assessoria Especial de Segurança e Informação), um braço da estrutura de controle ideológico do regime militar que funcionou numa sala ao lado do gabinete do Reitor de 1973 a 1982. Caso um candidato apresentasse qualquer tipo de antecedente em dissonância com o regime de exceção, a AESI promovia a “retenção” do contrato.
A “retenção” política dos contratos ocorria sempre dentro de parâmetros aparentemente legais. Dentre esses argumentos, apoiados no direito administrativo, merecem especial destaque os seguintes:
- Falta de verba para a contratação (como, por exemplo, no caso da professora Janice Theodoro da Silva e do professor Sergio Paulo Moreyra contratações propostas pelo Departamento de História da FAU);
- Limitações impostas pela Lei Eleitoral (professora Lúcia Coelho);
- Acumulação de cargos (professor Freitas Nobre).
A imprensa e o judiciário: “acessórios” indispensáveis ao sistema da ditadura
Alguns dos entrevistados ressaltam a participação de outros sujeitos no sistema de repressão. Carolina Bissoto destaca que a mídia é corporativista e precisa de uma reforma democrática. É a mesma mídia, são os mesmos principais jornais que cresceram na ditadura e a apoiaram, a Rede Globo, O Globo, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo apoiaram o regime militar e continuam apoiando pela manipulação de notícias, pela conivência.
Carolina Bissoto e Pádua Fernandes ressaltam, ainda, o papel conservador, colaborador, ou omisso, do Poder Judiciário, que, segundo eles, não tem formação em direitos humanos, não utilizam os tratados internacionais de direitos humanos. Pádua afirma que as estatísticas indicam que do direito Internacional, o STF aplica apenas o direito econômico e financeiro, mas não os direitos humanos.[25] Segundo ele, o Judiciário tem o papel histórico de garantidor da tortura e da repressão policial, desde o começo da República. Esse papel se reforça na ditadura, mas esta tem o cuidado de transferir os crimes contra a segurança nacional para a Justiça Militar, porque ela era mais confiável. Mas a justiça ordinária também tem esse papel de garantidor da tortura e da repressão. Os relatórios da ONU atestam isso. O último relator do direito sobre tortura que esteve no Brasil em agosto de 2015, Juan Mendez, ele constatou o mesmo que o relator anterior tinha constatado, o Brasil participa da Convenção da ONU contra a tortura, contra os tratamentos cruéis e degradantes, tem uma lei que criminaliza e tipifica a tortura, porém, o que faz o Ministério Público? ele vê a tortura e não apresenta denúncia, ou, quando apresenta a denúncia, diz que não é tortura, é lesão corporal porque é um crime com pena mais leve. O Judiciário é a mesma coisa. Portanto, o Judiciário tem papel ativo em acobertar a tortura feita pelos agentes do Estado. Isso continua até hoje. Nessas questões em que o Estado brasileiro continua ativo na violação de direitos humanos, invasão de terras indígenas, mortes de índios, repressão a camponeses, torturas, execução sumária etc., nessas áreas o judiciário continua não funcionando. Seria até irrealista esperar que o Judiciário quisesse punir esses crimes que a ditadura militar tanto praticou, como o Estado brasileiro continua praticando, com o aval do judiciário.
Carolina pesquisou sobre a tortura na atualidade. Analisou acórdãos no país inteiro e afirma que a lei brasileira prevê que a tortura pode ser praticada tanto por agente público como por agente privado, diferentemente dos tratados internacionais que só considera tortura aquela praticada por agentes públicos. Assim, pais e mães, por exemplo, acabam sendo mais acusados por tortura do que os agentes públicos. Aqueles são julgados e condenados por tortura e os agentes públicos não, enquanto que para estes as penas são mudadas para lesão corporal seguida de morte e acabam não sendo julgados por tortura.A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarava inconstitucional a lei de tortura brasileira e entendia que esses crimes teriam que ser tratados pelo direito internacional, como tortura. Mas era uma Câmara e um Juiz. Até hoje, nos concursos para juiz, não cai direitos humanos, com raras exceções.
Jornal Opinião – PUC 1979 – Anistia
50-Z-130-5237
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /anistia /DEOPS50Z130005237.pdf
O processo de trabalho com os documentos de arquivo
Os relatos mostram que as diversas comissões da verdade enfrentaram muitos desafios para dar cumprimento à finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas, o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional, conforme estipulado no parágrafo 1º da Lei 12.528/11. Falta de tempo, escassez de recursos, carência de pessoas habilitadas na pesquisa e também dificuldade de acesso aos arquivos, por motivos diversos.
A relação dos pesquisadores com os arquivos chega a parecer paradoxal: muitas vezes, não há ou não se encontra (por perda ou ocultamento) arquivos onde se possa colher respostas às questões postas. Por outro lado, há arquivos muito grandes, muitos com organização precária, que dificulta a pesquisa pelo excesso de informações a serem devidamente colhidas, processadas, disponibilizadas e tratadas para fins de relatório.
“Aqui é um arquivo fundamental para a pesquisa, apesar de ele ser um arquivo que foi desfigurado, porque tem muita coisa solta.”
A equipe do GT Trabalho que se debruçou sobre o arquivo do DEOPS relatou alguns desses desafios. Milena Fontes descreve a metodologia utilizada para iniciar a pesquisa.
A partir do levantamento dos casos conhecidos de repressão aos militantes e aos trabalhadores, a gente optou por pesquisar no Arquivo do Estado, onde está o acervo do DEOPS. O ponto de partida, segundo Milena, foi a seleção de 40 nomes de trabalhadores militantes que foram conhecidas vítimas da repressão. A partir daí, a gente pegou o fio da meada. Conseguimos descobrir vários documentos que comprovam a relação entre as empresas com o DEOPS, o Ministério do Trabalho, também, e a gente conseguiu entender como eram esses mecanismos de perseguição e repressão aos trabalhadores. Aqui é um arquivo fundamental para a pesquisa, apesar de ele ser um arquivo que foi desfigurado, porque tem muita coisa solta. A gente olha uma pasta e tem documento que a gente vê que tem começo mas não tem fim. Tem uma lista com coisas soltas e vale lembrar que esse arquivo ficou 10 anos com a Polícia Federal, que era dirigido por Romeu Tuma e era delegado geral do DEOPS até a sua extinção. Ele só teve uma autorização legal para pesquisarmos em 1994. Mas até então, poucas pessoas se debruçaram nesse arquivo como nesses últimos 4 anos com a instalação das Comissões da Verdade.
“A gente ainda não conseguiu entender qual a lógica do arquivo do DEOPS.”
Milena destaca as dificuldades em interpretar a lógica de organização do arquivo do DEOPS.
É muito documento. O Arquivo Nacional tem documentos produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). No acervo do DEOPS tem documentos produzidos pela Polícia Política de São Paulo e às vezes você encontra pedaços de documentos produzidos pelo SNI que são partes de documentos remetidos ao DEOPS, pois existiu muita troca de informações entre eles. Havia informes da aeronáutica, do exército etc. Algumas coisas que estão aqui também estão no Arquivo Nacional e vice-versa. Tem documentos que você encontra várias cópias em várias pastas diferentes. Tem documento que você vê um sem nenhuma referência e ele está perdido no meio de uma pasta. A gente ainda não conseguiu entender qual a lógica do arquivo do DEOPS. Tem pastas sobre 83, pasta sobre 69, pasta sobre o movimento sindical, pasta sobre guerrilha, pasta sobre estudantes, mas, não conseguimos classificar. Ainda não dá para saber qual a lógica deles de armazenar cada documento e em qual local. A gente montou um quebra-cabeças a partir de evidências. Montamos a nossa base a partir de um testemunho e documentos, porque não podemos ficar reproduzindo inverdades.
“Você não consegue ir atrás da informação, porque ela foi mal catalogada. Temos que lidar com esses problemas.”
Milena relata sua experiência em outros arquivos.
Muitos dos documentos estão no Arquivo do Piqueri, que é um arquivo de processos [vinculado à Prefeitura de São Paulo], mas não tem documentos digitalizados, é muito difícil trabalhar com palavras-chave e achar uma remissão criteriosa e ele também está em condições precárias de conservação. Saímos de lá com a sensação de que aquilo pode pegar fogo a qualquer momento. A desorganização da documentação é uma forma de ocultação de informação. Você vai pesquisar um processo da Comissão de Investigação, por exemplo, joga a palavra chave e não acha; se você olha a capa do processo, está escrito apenas “ofício”. Você não consegue ir atrás da informação porque ela foi mal catalogada. Temos que lidar com esses problemas.
Milena cita também as condições do arquivo do Serviço Funerário Municipal. Fomos olhar as cópias dos livros dos cemitérios que estão até organizados, mas estão em más condições de armazenamento, de classificação e não estão digitalizados, ali também não tem qualquer tratamento arquivístico. Milena conclui, portanto, que o grande problema ali é exatamente a falta de ordenamento arquivístico, motivação que gerou uma das recomendações no relatório da CMV[26]. A desorganização é uma forma de ocultar os documentos. Segundo ela, o grande problema é a falta de política pública no âmbito do município, em relação aos arquivos públicos. Se São Paulo é assim, imagine outros municípios. Isso ajuda a perpetuar o desaparecimento burocrático se perpetua: a partir do desaparecimento do documento, pessoas desaparecem.
Investigação coletiva
A equipe do GT Trabalhadores foi organizada após a realização de reuniões que ocorreram em várias regiões de São Paulo, de onde se colheu depoimentos de trabalhadores que de alguma foram vítimas da repressão do Estado durante a ditadura. O passo seguinte foi a busca de informações e provas nos arquivos, em especial o arquivo do DEOPS. Afinal, como disseram os entrevistados, os depoimentos, por mais verídicos que sejam, requerem a confirmação de provas documentais. Nas palavras de Vicente Ruiz, no arquivo se encontra a testemunha oficial. Os depoimentos têm uma força, mas, são palavras, é preciso respaldá-las com documentos. É importante cruzar a palavra com as informações dos documentos.
Os quatro entrevistados do GT Trabalho destacaram a importância das conversas e das trocas de informações durante a pesquisa no Arquivo. Isso só foi possível devido ao ambiente especial da pesquisa, que não se realizou no salão de consultas, mas numa sala específica. Segundo eles, as conversas, os comentários e impressões entre eles, o conhecimento prático de Salvador Pires, que era o nosso arquivo particular, por conhecer pessoas e fatos que não conhecíamos, brinca Rosi Moreno, isso foi fundamental. Sueli Bossan, complementou: as conversas nos ajudaram a contextualizar os documentos, afirmou, numa pesquisa em grupo de uma Comissão, um espaço em que se possa conversar e trocar informações é importante para essa contextualização. Uma dúvida que tenho ao ler um documento, numa conversa podemos superar essa dúvida. Aqui nós pudemos conversar com pessoas com conhecimento de arquivo e trocar informações com colegas. Isso foi fundamental.
131.277 fichas de indivíduos investigados na Petrobras
O caso das pesquisadoras dos documentos da Petrobrás foi bem diferente. Elas tiveram acesso a cerca de 170 mil documentos digitalizados e o primeiro desafio foi buscar estratégias para iniciar o processamento das informações. A Comissão Nacional da Verdade pediu a abertura dos arquivos, e a Petrobrás foi uma das empresas que disponibilizou esses arquivos, em 2013, ao Arquivo Nacional. Segundo Luci, o material todo em arquivo digital tem cerca de 2 terabytes de arquivos, contendo fichas, relatórios, processos administrativos, livros de registros entre outros.
“Aqui nós pudemos conversar com pessoas com conhecimento de arquivo e trocar informações com colegas. Isso foi fundamental.”
De posse dos documentos digitalizados, uma pessoa do Arquivo Nacional fez uma classificação muito ampla, mas que ajudou muito. Dentro desse “livro de registro”, desse bloquinho, tem 18 arquivos relativos a auditorias, sindicâncias, inquéritos administrativos e alguns deles anteriores a 64. Houve uma acusação de furto envolvendo um funcionário, tem lá uma sindicância e aquilo vira um processo que consta nesses livros de registros. Uma das vertentes que a gente vai pegar depois, relativa à greve de 83 na Petrobrás, está num desses livros de registro. E o tamanho disso varia, tem relatórios dos blocos de documentos digitalizados que dá 40, 50 páginas e tem relatórios de 500 páginas. É muito variado.
Cláudia reforça, aí uma outra vertente das fichas de investigação, que são essas que nós falamos, que na verdade são 131.277 fichas de indivíduos investigados.Há um período em que elas eram chamadas de “fichas de controle político e social”, esse era o nome que ela vai assumir depois. Por exemplo, se eles vão contratar alguém eles investigam essa pessoa.
Como navegar nesse mar de documentos sem conhecimentos prévios e sem tempo para elaborar estratégias de pesquisa?
Não foi fácil a gente se localizar. A gente fez um roteiro. A pesquisa pode gerar muitas frentes de discussão. Uma delas é a discussão sobre a Petrobrás em si e o papel dela no país e de como a ditadura enxerga essa empresa, considerada como um espaço de segurança nacional. Então, o que é isso e que desdobramento isso tem para as ações que o governo militar vai ter em relação a essa empresa. Essa é uma vertente, conforme relato da Luci, complementado por Cláudia, nos termos que se seguem.
“esse processo de pesquisa é muito interessante, porque quando você pega um documento, num primeiro contato, você não tem muita noção do que ele pode te dizer, e você vai descobrindo na medida em que você manuseia e vai se aprofundando nele.”
Com o tempo de que dispunham, não havia oportunidade para se desenhar estratégias elaboradas e a solução foi partir diretamente àquele mundo de informações e buscar sentido nelas. O processamento dessa informação está sendo feito de forma artesanal, analisando-se uma a uma as fichas, diz Luci. Não tem muita saída. Olhar uma por uma, que é algo extremamente demorado, e ir planilhando informações, afirma Cláudia. Esses documentos têm uma característica: eles podem ser muito simples, não ter quase nada, como podem ter dentro deles relatórios enormes que citam vários trabalhadores. Então, por que estamos planilhando? Para cruzar as informações depois. Muitas vezes você não vai ter uma ficha especificamente de um trabalhador, mas ele será citado na investigação de outro e isso caracteriza a perseguição dele.
E esse processo de pesquisa é muito interessante, porque quando você pega um documento, num primeiro contato, você não tem muita noção do que ele pode te dizer, e você vai descobrindo na medida em que você manuseia e vai se aprofundando nele. Não é bem roteiro, são eixos temáticos que a pesquisa vai desenvolver, e que estão articulados obviamente, mas para que a gente pudesse organizar um pouco as ideias a partir de tantas coisas que surgiam daí. Outro eixo, é, por exemplo, como se dá o processo de desmantelamento da organização sindical dentro dessa empresa; e aí entram duas coisas: primeiro, todo o processo de resistência que há na empresa no período do golpe que é muito pouco discutido.
Assim, os documentos vão colocando desafios para as pesquisadoras, que necessitam decifrar códigos, rastrear nomes, compor mapas de informações, conforme revela Luci Praun. É tentando entender um pouco o que é que tem dentro... E esse é o padrão delas: a capinha com número e quando você abre tem o nome e as informações do investigado. No geral, vem com essa fichinha acompanhando. Essas duas chamam a atenção por duas coisas: “Informante”, porque dá claramente a impressão de que se trata de um informante e ela tem uma coisa muito interessante que são os relatórios, que é uma coisa que eu quero levantar junto com a Claudia em todos esses relatórios para gente ver se bate, que é a assinatura do informante. Eu tenho a impressão de que essa é a assinatura do informante [diz ela olhando para a ficha]. Ela varia. Em alguns documentos são uma bolinha, outros são duas, três, em outro está nesse formato triangular... Então, na verdade, você tem como depois cruzar a ficha com quem era o informante que estava naquele lugar, naquela data, fazendo alguma coisa. Não sei se a gente chega ao nome da pessoa, mas a gente vai chegar a uma quantidade, a uma relação entre quantos informantes, em que lugares estavam e qual era o estilo dele a partir dessas assinaturas cifradas aí. Então, isso nos chamou bastante atenção quando olhamos os documentos. Eles são muito ricos, você bate o olho e fica pensando “o que são essas bolinhas?”.
A Comissão da USP optou por elaborar fichas para registros das informações colhidas nos arquivos
Os documentos, com as quais a Comissão da Verdade da USP opera no âmbito da universidade, foram consultados no Arquivo Geral da USP. A instituição subsidiou o acesso a centenas de documentos espalhados em diversos acervos da USP. Trata-se, em grande parte, de processos de docentes e funcionários, que versam sobre os seguintes temas: contrato de docentes; contagem de tempo de serviço; afastamento; acumulação de cargos; mandados de segurança impetrados contra a USP.
No caso dos alunos, a pesquisa se concentra nas informações que se podem obter a partir de históricos escolares, solicitações de trancamento de matrícula, diplomas e outros documentos emitidos ou conservados nas seções de alunos, pelos quais situações como abandono de curso, quedas no rendimento acadêmico e absenteísmo podem ser evidenciadas.
A análise desse vasto repertório documental teve início com a elaboração de fichas individuais de prováveis perseguidos pelo regime militar e de agentes vinculados a organismos de segurança alocados na USP.
A ficha individual, “célula” inicial do trabalho desenvolvido pela CV-USP, corresponde ao primeiro passo de ordenação do material coletado. Por meio deste instrumento os pesquisadores puderam sistematizar e analisar as informações de forma a permitir o desvendamento dos procedimentos administrativos utilizados para perseguir professores, funcionários e alunos que estivessem em desacordo com o regime vigente no Brasil entre 1964 a 1988.
As fichas contêm as seguintes informações: dados pessoais; informações sobre a perseguição; informações sobre o apoio pessoal recebido pelo perseguido; informações sobre os perpetradores de arbitrariedades; narrativa dos acontecimentos a partir de fontes primárias e secundárias.
Conjugação de fontes: um sistema de informação
Com vistas à caracterização dos fatos e dos mecanismos institucionais utilizados à época para promover a perseguição optamos, inicialmente, por realizar um levantamento da documentação existente nos arquivos da USP. A análise do material nos permitiu sinalizar alguns mecanismos administrativos utilizados para eliminar dos quadros da universidade professores, funcionários e alunos, com o amparo de justificativas administrativas consoantes com a legislação e com o regimento da USP.
Os levantamentos, realizados com base nos autos de processos individuais, reunidos com o auxílio da equipe do Arquivo Geral da USP, foram complementados por informações contidas na base de dados “Memória Política e Resistência”, do Arquivo Público do Estado de São Paulo, e também, pela consulta aos processos contidos no portal “Brasil: Nunca Mais Digit@l”, cujo acervo é composto por 710 processos.
No que diz respeito aos Arquivos do DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social-SP) as pesquisas realizadas até o momento indicam a presença de uma ampla rede de informações sediada e estruturada na USP, capaz de produzir de forma bastante detalhada, relatórios e informes que caracterizavam o dia a dia na Universidade. O acervo é imenso, o que, em razão dos prazos para a finalização do trabalho da Comissão da Verdade da USP, obriga os pesquisadores a trabalhar segundo o critério de amostragem.
É importante destacar que nas pesquisas do chamado Dossiê DEOPS, do Arquivo Público do Estado de São Paulo, encontramos um conjunto de documentos sob o código alfanumérico 50K 104[27] que se refere, especificamente, a USP. Esta documentação abrange o período de 1948 a 1979. A maior parte do material contido nestes dossiês foram produzidos a partir de 1964. Ao todo são 29 pastas, num total de 3.148 documentos com amplas informações sobre a Universidade de São Paulo. A documentação, em grande parte, foi produzida pela da AESI USP (Assessoria de Especial de Segurança e Informação), também denominada ASI USP (Assessoria de Segurança e Informação), assessoria oficialmente instalada na universidade em 1973. Esta assessoria se reportava ao MEC (Ministério da Educação) e ao SNI (Serviço Nacional de Informação), portanto fazia parte de uma extensa rede de informações.
Vinculada diretamente à reitoria da Universidade de São Paulo a AESI funcionou durante as administrações dos reitores Prof. Miguel Reale, Prof. Orlando Marques de Paiva e Prof. Waldir Muniz Oliva, e foi desativada em 1982 pelo então reitor Prof. Guerra Vieira, segundo o seu próprio depoimento.
Dos materiais analisados até o momento, pudemos identificar quatro tipos de informações coletadas pela AESI USP: controle sobre publicações; informações relativas à contratação; controle sobre as atividades acadêmicas (seminários, congressos, cursos, viagens de professores, participação em eventos político-acadêmicos); relatório de observação do campus (assinatura de documentos com cunho político); movimento estudantil.
De um modo geral, as bases de dados utilizadas pela Comissão, foram as seguintes: o acervo do Arquivo Geral da USP; o acervo “Memória Política e Resistência do Arquivo Público do Estado de São Paulo e o portal “Brasil Nunca Mais Digit@l.
Entre as dificuldades enfrentadas pela pesquisa convêm destacar os limites impostos pelos mecanismos de busca e pelas formas de classificação dos acervos ordenados, preferencialmente, por nomes.
O método de organização da pesquisa, a partir de um nome, tem como consequência a dificuldade de se recuperar informações com base em temas, datas ou contextos específicos. As limitações impostas pelas formas de indexação exigem dos pesquisadores um trabalho de “montagem de um quebra-cabeças”, reconstituindo, a partir de histórias narradas nos depoimentos, os caminhos burocráticos utilizados pela repressão, com vistas à um controle ideológico tanto da vida acadêmica como da vida pessoal dos diferentes membros comunidade uspiana.
A pesquisa baseada em fontes documentais fornece alguns indícios, provas, de práticas levadas a frente por determinados funcionários da USP para impedir ou dificultar a permanência ou profissionalização de pessoas que questionavam o regime político vigente.
Prova e responsabilização
A pesquisa baseada em fontes documentais fornece alguns indícios, provas, de práticas levadas a frente por determinados funcionários da USP para impedir ou dificultar a permanência ou profissionalização de pessoas que questionavam o regime político vigente.
As informações, comprovadas por documentos administrativos, permitem datar os acontecimentos, conhecer em detalhe o percurso da perseguição, e caminhar com mais segurança em direção a um processo de responsabilização pessoal e institucional.
Considerando que a responsabilidade final pela montagem de estruturas de controle era do reitor, um dos primeiros produtos do trabalho da CV-USP foi a construção de uma tabela indicando, dia a dia, quem estava no exercício do cargo de Reitor da Universidade de São Paulo, com vistas a uma correta atribuição de responsabilidades. O mesmo cuidado presidiu também a análise das assinaturas presentes em cada página dos processos. A repetição de um procedimento pelo mesmo agente e a cronologia do andamento de um processo sugere, por exemplo, a identificação do funcionário envolvido em cada procedimento administrativo, bem como o uso do tempo como instrumento de perseguição dentro dos marcos da legalidade.
Solicitação do sindicato dos médicos de São Paulo ao Barro Branco pedindo atendimento ao preso político Carlos Alberto Soares - 20-C-44-4892 – página 1
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /anistia /DEOPS20C044004892.pdf
O trabalho da Comissão Nacional da Verdade em questão
A Comissão Nacional da Verdade encerrou os seus trabalhos em dezembro de 2014. Todos os depoimentos apontam a CNV como importante marco na luta contra as graves violações dos direitos humanos no Brasil. Entretanto, alguns desses depoimentos apontam alguns limites da atuação dessa Comissão.
Salvador Pires destacou a importância da soma dos trabalhos do Projeto Memória com os trabalhos desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade, aquilo que se conseguiu produzir, grande parte com a participação do Arquivo, e as recomendações elaboradas. Pires ressalta a proeza da CNV em juntar as 10 centrais sindicais, que, segundo ele, é fato raro. Se conseguiu produzir um relatório, com alguns arranhões, mas com muita unidade. Parte dessas centrais se comprometeram a dar continuidade aos trabalhos.
Para Cláudia, o relatório da CNV é apenas o começo. Eu acho que o que os trabalhos da CNV mostraram que nós temos um novelo e começamos a puxar o fio desse novelo, em todos os segmentos, em todos os 13 grupos. Mas acho que a grande limitação da CNV foi justamente essa, permitir que apenas começasse um trabalho, nesse trabalho se documentaram e se observaram todas as relações existentes entre a ditadura e os diversos setores que foram afetados da sociedade e ele parou por aí. Se você perceber a quantidade de documentação que nós temos na Petrobrás, o relatório que nos apresentamos pra CNV da Petrobrás é um relatório inicial, e é considerado um dos mais consistentes. Inclusive acesso aos arquivos, agora não temos mais, quando você não tem a CNV funcionando você enfraquece o processo de resgate dos documentos. Tem muito mais do que isso.
“Na verdade, quem está fazendo esse trabalho da pesquisa em busca da verdade, memória, justiça e reparação são os militantes, os movimentos sociais, os familiares.”
A necessidade de continuidade dos trabalhos parece ser conclusão unânime e está prevista no próprio relatório final da CNV. Mas esse é apenas um aspecto. Há outros desafios que aparecem no depoimento de Pádua Fernandes. O Relatório da CNV é um marco, ainda que inicial. Havia conflitos entre as orientações da CNV e outras comissões. Participamos do evento de balanço das comissões da verdade no Instituto de Relações Internacionais da USP, em abril de 2015. Quem abriu foi Pedro Dalari, que falou em nome da CNV. Estavam presentes representantes de comissões de várias universidades, algumas continuam trabalhando. Em geral, as comissões universitárias lançaram recomendações gerais bastante decepcionantes, mostrando que o trabalho da academia nesse campo está sendo muito falho. Na verdade, quem está fazendo esse trabalho da pesquisa em busca da verdade, memória, justiça e reparação são os militantes, os movimentos sociais, os familiares. Veja o caso da Comissão Estadual de São Paulo, por que que ela existiu? Por que tinha o Adriano [Diogo], que foi preso político, a Amelinha Teles, que foi preso político, Ivan Seixas, foi preso político, pessoas que têm um comprometimento pessoal e engajamento há décadas e produziu, saiu do papel e se vê resultados. Agora, na academia a gente vê pouco engajamento nisso. Há inclusive historiador que está defendendo que historiadores não devem participar das comissões da verdade, pois isso não tem nada a ver com papel de historiador. Como, por exemplo, Carlos Fico. Basta entrar no blog “Brasil Recente” e ver que ele defende essa posição.
Haverá um balanço geral das experiências das Comissões no Brasil?
Não se conhece ação voltada para o processamento e compilação de tudo o que se pesquisa nas Comissões no Brasil. Nem as universidades estão fazendo isso, segundo Pádua. Vai ser difícil isso acontecer. Há dificuldades de se achar documentos e até alguns relatórios de comissões pelo Brasil a fora. Há situações muito diversas.Muitas comissões não fizeram pesquisa documental e nem tinha quem a fizesse. Em muitas, a precariedade é completa. Já outras, como a do estado do Rio de Janeiro, tiveram estrutura, tiveram pesquisadores e chegaram a revelar ações, fizeram projetos de pesquisa financiadas, chegaram a declarações importantes como a do Paulo Malhães, aí, sim, teve pesquisa em arquivo. Tem que melhorar. As recomendações da CNV e da estadual de São, Paulo é de que as pesquisas prossigam e criem órgãos para continuar pesquisando porque o que conseguimos fazer é apenas o início para que outros pesquisadores aprofundem as questões e as investigações, tanto em relação à memória, como em relação à justiça. Nós enviamos a documentação para o Ministério Público Federal para novas ações. Mas é preciso um passo posterior para dar tratamento aos documentos das comissões da verdade no Brasil. Não sei se tem lista de todas essas comissões, quais existiram de fato ou ainda existem, quais materiais produziram, onde pesquisaram. Esse relatório ainda precisa ser feito. Poder-se-ia começar com a elaboração de um guia de fontes.
Dossiê Ordem Social – Anarquismo – OS 0005 – página 10
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /dossies_ordem_social /BR_SPAPESP_DEOPSOS000005.pdf
O papel do Arquivo Público do Estado de São Paulo
Os arquivos públicos não são “casas de memória”, ainda que eles guardem verdadeiros tesouros informativos sobre o passado sujeitos à produção de memórias e da história. Os arquivos são, antes, instituições estratégicas que guardam registros, de certa forma, aleatórios, de seus produtores, sejam instituições ou pessoas. Os registros custodiados pelos arquivos públicos, são, antes de tudo, reservas de informações para fins de prova, seja de registro de ações e atividades, seja para garantia de direitos, ou para fins científicos.
O Arquivo Público do Estado de São Paulo, assim como outros arquivos do país, foram destinos de muitos representantes e pesquisadores de várias comissões da verdade nesses dois últimos anos. O objetivo? Eles foram em busca de registros, vestígios que, de alguma forma, pudessem se constituir em prova material para compor argumentos e justificativas que pudessem constituir o reconhecimento pelo Estado da violação de direitos humanos, para que se faça justiça às vítimas desse mesmo Estado na sua ação repressiva, para que se repare as perdas de cidadãos e instituições atingidas naquele período, ou, simplesmente, por uma luta pela memória individual ou coletiva.
Os relatos das pesquisadoras dos documentos da Petrobrás revelam esse duplo aspecto do papel dos documentos de arquivo naquele caso.
Os arquivos públicos não são “casas de memória”, ainda que eles guardem verdadeiros tesouros informativos sobre o passado sujeitos à produção de memórias e da história.
Tem um pessoal que foi diretamente atingido por perseguição, demissão ou não conseguia emprego, devido às tais listas sujas e que agora está voltado para a busca de provas que ajudem a obter anistia ou o recebimento da anistia. Quando saiu a lei da anistia em 1979 a Petrobrás colocou todos obstáculos possíveis e não deu acesso à documentação da empresa que justificava a demissão apenas por conveniência. Agora, com a disponibilização desses documentos as pessoas conseguem recuperar os processos ocultos mostrando que a Petrobrás demitia sob acusação de comunista, agitador etc..
É importante para esses trabalhadores não só por questão de indenização, que eles têm direito obviamente, mas de reconstruir a história, porque eram tidos como trabalhadores vagabundos que não paravam no emprego. E o julgamento que se faz disso de quem não conhece esse processo é de que ele era um mau trabalhador. Para esses trabalhadores é importante resgatar isso. E resgatar também no sentido do sofrimento que isso significou para família, pra tudo.
Os trabalhos da Comissão na USP ainda estão em andamento, mas não há o que questionar sobre a importância dos documentos de arquivo, o trabalho com fontes documentais confere maior precisão à pesquisa da Comissão da Verdade – USP, que tendo em vista seus objetivos, exige apuração dos fatos como requisito indispensável para a apuração de responsabilidades. As peculiaridades do controle ideológico levado a cabo na USP, operacionalizado por meio de mecanismos produzidos pelo Direito Administrativo, tornam as fontes documentais peça-chave para a definição de responsabilidades com base em indícios presentes em diferentes acervos.
O APESP recepcionou todos os demandantes das Comissões, preparou ambiente especial e a equipe de atendimento para prestar o melhor serviço possível a fim de facilitar e agilizar as pesquisas, pois estávamos cientes dos prazos limitados dessas comissões. Esse aspecto foi percebido pelos nossos consulentes especiais.
Nem tenho palavras para descrever a importância do arquivo do DEOPS para o nosso trabalho, diz a Professora Dra. Ana Lúcia Lana Nemi, coordenadora da Comissão, e que leciona História Contemporânea na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da UNIFESP. Como historiadora, sei que receber um fundo é uma coisa; disponibilizá-lo ao público é outro trabalho, muito mais difícil. No Arquivo, sempre conseguíamos recuperar o dado que buscávamos. E o atendimento era gentilíssimo.
E é exatamente o que se pode esperar de um arquivo público.
“Eu saúdo o apoio que o Arquivo do Estado nos deu em relação ao suporte para a pesquisa, senão a gente ia demorar muito para pesquisar, não teríamos tanta qualidade, entender os códigos, as pastas, ou até mesmo os filtros, as palavras-chaves para usar, e o tempo que a gente ficou aqui pesquisando durante vários meses consultando milhares de documentos.”
Milena Fontes, que atuou pela Comissão Municipal de São Paulo e também pelo GT Trabalho, da Comissão Nacional, destaca o serviço do APESP, nesses termos: O atendimento e a estrutura que a gente teve aqui foi fundamental porque a gente tinha uma agilidade na pesquisa. A gente pode dizer que desde a parceria com o Arquivo, que acolheu esses pesquisadores e formou uma política do arquivo de atendimento a grupo, isso auxiliou e deu uma qualidade muito grande para as pesquisas. Se o atendimento fosse no balcão, demoraria muito mais tempo. O Ricardo nos ajuda muito, é atencioso e tira muitas das nossas dúvidas. O que a gente não sabe, tem todo o apoio para esclarecer qualquer dúvida. Eu saúdo o apoio que o Arquivo do Estado nos deu em relação ao suporte para a pesquisa, senão a gente ia demorar muito para pesquisar, não teríamos tanta qualidade, entender os códigos, as pastas, ou até mesmo os filtros, as palavras-chaves para usar, e o tempo que a gente ficou aqui pesquisando durante vários meses consultando milhares de documentos. Poucos lugares têm uma estrutura tão moderna quanto aqui. Eu tive que visitar outros arquivos e dá para perceber que aqui é diferenciado, funciona bem. Além disso, a possibilidade de nos fornecer os documentos digitalizados em alta resolução.
Pádua Fernandes disse que sempre achou documentos bem tratados e que o atendimento funciona, mas salientou dificuldades de encontrar os arquivos no site do APESP. Acrescentou: em geral não se conhece os arquivos. Muitos reclamam que os arquivos estão fechados mas existe muita coisa aberta, falta trabalho, há muita pesquisa a ser feita.
O depoimento de Luci Praun é contundente. Primeiro: se os arquivos não têm o status que merecem ter é porque nós temos pouca tradição histórica, de contar nossa história, nossas raízes, etc., e em grande medida a forma como a ditadura brasileira terminou tem grande responsabilidade nesse processo. É uma ditadura que termina num processo negociado com a classe dominante, em que o passado tem que ser deixado pra lá... uma lei de anistia que não pune ninguém... Então esse processo de transição para a democracia representativa no país é reforçador de que os arquivos não servem pra nada, certo? Essa é uma questão que a gente precisa rever, precisa refazer. E pra que isso possa ser refeito, reconsiderado, tem que se fazer pesquisa, tem que se mostrar a importância, o que esses arquivos guardam e o que podem resgatar da nossa trajetória histórica. Infelizmente, o depoimento oral tem pouco valor oficial, por isso, a importância do cruzamento com a prova documental. Porque a memória das pessoas muitas vezes não lembra de determinadas situações que estão ali no arquivo, então a gente pode fazer o caminho inverso. Já entreguei ficha para trabalhadores da Petrobrás: “Olha aqui sua ficha da Petrobrás” e o cara falar “Nossa, olha o que tem aqui!”. Essa troca da história oral com o que consta nos documentos é muito importante, porque ela vai iluminar uma a outra, vai ver os olhares diferentes, vai desmistificar a ideia de uma história única, temos a história oficial e tem as outras histórias que a gente precisa resgatar. Tem a história dos vencedores, a gente precisa da dos vencidos.
Claudia reforça essa crítica. Mas eu fiquei aqui refletindo como professora. Eu era professora da UniSantana, a uma quadra daqui, e eu me lembro de ter vindo com os alunos aqui uma vez... eu dei aula por 7 anos... ou seja, não é uma prática. Por exemplo, peguemos a juventude de ensino médio, universitários... por que não temos a prática de levá-los para os arquivos para fazermos investigações, pesquisas, etc.? E em todas as áreas de ciências humanas e exatas também, você estava me falando que aqui atende a todas as áreas de pesquisa. Mas isso contribui para que não tenhamos essa cultura. Acho que, a partir do momento em que lidamos com acesso à documentação percebemos a importância da documentação na construção da história e da sociedade.
“Eu descobri que isso existia, que isso era organizado, que a gente podia pesquisar. Foi como descobrir o mundo, a organização de vocês foi fenomenal. A gente chegava e já tinha os documentos para a gente trabalhar o dia inteiro.”
Isso me remeteu porque eu achei essa estrutura muito interessante, tudo novo, e eu pensava encontrar o prédio mais velho, pois quando eu vim ele não era assim ainda. Então diversos militantes que estão entrando com processo de anistia, não conseguiram ainda porque não encontram a documentação, porque não está organizado, diferente de outros arquivos que já estão.
Sueli Bossan tem experiências em Centro de Memória, mas disse ter ficado surpresa e deslumbrada com o Arquivo, eu não sabia que isso existia. Eu descobri que isso existia, que isso era organizado, que a gente podia pesquisar. Foi como descobrir o mundo, a organização de vocês foi fenomenal. A gente chegava e já tinha os documentos para a gente trabalhar o dia inteiro. A limpeza, os materiais disponíveis, o almoço, o horário e as dicas quando tínhamos dificuldades. O jeito de organizar do arquivo não é o jeito que a gente pensa a organização. O jeito que entendíamos a organização não era o jeito que o DEOPS organizava, não sabíamos como o DEOPS organizava. A assessoria de vocês foi muito importante, esse estar juntos. Rosi Moreno também se surpreendeu com a organização do Arquivo, apesar de já tê-lo visitado uma vez. A sua primeira estratégia foi procurar o seu nome no arquivo do DEOPS, mas nada encontrou. Este Arquivo foi uma mudança de paradigma.
Já Vicente Ruiz vincula o acesso aos documentos com a tomada de consciência. O significado para mim de ter trabalhado aqui, o atendimento, a atenção, nota dez. Para mim foi um descobrimento, aqui somos pesquisadores de nossa própria história, eu estou dentro dessa pesquisa, então, para mim foi não só recolher dados para um livro, foi constatar tudo o que eu imaginava que acontecia. Eu imaginava a repressão e aqui realmente eu constatei como atuou de fato. Então, para mim foi uma conscientização, ou um ratificar da minha consciência. Vi nomes, lugares onde eu tinha estado. Eu vi a força da repressão, foi algo impressionante. Eles estavam presentes nas igrejas, nos piquetes, em tudo quanto era lugar. Isso impressiona muito. Para mim foi pesquisar e ao mesmo tempo conscientizar e descobrir. Foi gratificante e conscientizador. Vimos a nossa ingenuidade, como éramos ingênuos na nossa ação e como eles estavam preparados para a repressão, isso mostra porque eles venceram, porque fomos quase aniquilados. Isso abriu uma luz, eu tenho consciência de que isso tudo não acabou, isso continua, essa estrutura está em pé, quando eles precisarem, vão fazer tudo de novo, muito mais agora com os computadores.
“Mas isso não tira o valor dos arquivos. Mesmo quando não conseguimos chegar àquelas evidências, o trabalho é válido, a nossa cabeça monta o resto. Um resto que não é uma imaginação, mas uma a imaginação fundamentada.”
Vicente, continua e chega a inspirada conclusão. O registro que eles faziam dos nosso depoimentos não era fiéis, eles colocavam coisa que não comprometiam eles, por exemplo, não falava em torturas; o escrevente não faz um retrato do que aconteceu lá “olha, eu vou te chutar para a Espanha”, nem falava de tortura. E se passou algo que poderia comprometer eles, eu acho que eles destruíram. Imagina o que eles não fizeram quando esses arquivos ficaram com o Tuma o os documentos que ficaram nas casas dos generais. >Mas isso não tira o valor dos arquivos. Mesmo quando não conseguimos chegar àquelas evidências, o trabalho é válido, a nossa cabeça monta o resto. Um resto que não é uma imaginação, mas uma a imaginação fundamentada.
Salvador Pires segue na mesma linha. Eu sou anistiado político. A minha primeira consulta ao Arquivo foi na rua Maria Antônia. Fiz o meu primeiro levantamento. Eu decidi que viria para cá um dia por semana para a pesquisa. Quando a gente chegou e que você nos abriu aquela possibilidade de nos perguntar o que queríamos pesquisar e oferecemos alguns elementos e que a gente chegou e já tinha as pastas prontas, foi um belo trabalho. Vocês reservaram um espaço para a gente trabalhar. Víamos aqui a nossa vida nos documentos. Eu fui um dos pesquisadores que menos produziu do ponto de vista quantitativo, pois eu achava tudo interessante, eu passava o dia com uma pasta, não rendia. Essa riqueza extraordinária, nós nos auto pesquisando enquanto classe operária. Salvador destaca a gentileza do atendimento do Ricardo.
Cartaz Anistia
http://www.arquivoestado.sp.gov.br /uploads /acervo /textual /deops /anistia /BR_SP_APESP_DEOPS_CARTAZANISTIA_15.pdf
Os Arquivos nos relatórios das Comissões da Verdade
Os arquivos ainda não têm o devido reconhecimento de gestores públicos e, em geral, são invisíveis para a quase totalidade da população brasileira. Lamentavelmente, esse aspecto se refletiu nos relatórios das comissões da verdade consultados pela equipe da Revista do Arquivo. Como consequência, os arquivos também não aparecem destacados nas recomendações dessas Comissões, com raras exceções. Fato curioso, tendo em vista a indiscutível dependência das comissões em relação aos arquivos.
Chamou a atenção o texto da Comissão da Prefeitura de São Paulo, constante do Relatório Parcial, de novembro de 2015, no item “Resoluções e recomendações”:
“Diante da informação de que estava em análise proposta de descarte de parte dos processos que integram o Arquivo Geral do Município, cujo acervo é de vital importância para a consecução dos seus trabalhos, a Comissão, pela Resolução s/nº, de 16/04/2015, recomendou que : 1) Não haja descarte imediato de qualquer processo datado a partir de 1960; 2) Sejam revistas todas as tabelas de temporalidade, contemplando o valor jurídico e o valor histórico dos processos; 3) Sejam desenvolvidos os trabalhos necessários para a elaboração das Tabelas e Orientações faltantes; 4) Seja elaborado um Projeto de Reestruturação do Arquivo Geral do Município, no que tange ao espaço, aos equipamentos e sistemas de informação; 5) Seja agilizada a implantação do Sistema Digital de Processos, tendo em vista o enorme volume de processos e documentos gerados na Municipalidade; 6) Esta Comissão seja informado sobre as providências decorrentes da presente recomendação”.
Entretanto, ainda que a equipe da Revista não tenha pesquisado os diversos relatórios produzidos pelo Brasil a fora, consideramos a realização da breve consulta como uma amostra do olhar (ou falta dele) dessas comissões sobre a crucial questão dos arquivos públicos e privados.
Entre as recomendações sugeridas no Relatório da Comissão Nacional da Verdade constam a necessidade de fortalecimento das defensorias públicas, dos Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais, apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos, mas não cita como necessária uma política de organização e fortalecimento dos arquivos públicos.
Os dois últimos itens das recomendações da CNV (28 e 29), tangenciam a questão dos arquivos, mas de forma muito fragmentada. O item 28, Preservação da memória das graves violações de direitos humanos faz referências a preservação e tombamentos de estruturas que marcam memórias de vítimas da ditadura e criação de museu da memória. O item 29 Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar recomenda o processo de localização e abertura dos arquivos do período do regime militare a integração dos acervos das Forças Armadas e dos órgãos de informação da ditadura,promovendo o recolhimento e tratamento técnico nos arquivos públicos e sua disponibilização no banco de dados do Arquivo Nacional.Recomenda o estímulo de linhas de pesquisa sobre o tema e o registro de informações e o recolhimento e tratamento técnico de acervos sobre fatos ainda não conhecidos ou esclarecidos sobre o período da ditadura militar. O texto conclui com a proposição de considerar de interesse público e social os arquivos privados de empresas e de pessoas naturais que possam contribuir para o aprofundamento da investigação sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil.
Conforme pode-se constatar, os arquivos são citados de forma fragmentária e quase incidental. Ademais, baseia-se em um conceito que pouco ajuda na compreensão do fenômeno dos arquivos: o conceito de “arquivos da repressão”. Ora, o que são esses tais arquivos senão o conjunto de documentos produzidos pelos órgãos administrativos, abertos ou sigilosos, no exercício de suas atividades? Ou seja, o Brasil precisa institucionalizar uma política nacional para os arquivos e fazer cumprir a legislação vigente. Precisa fortalecer o Arquivo Nacional e todos os arquivos de todos os entes; o Conselho Nacional de Arquivos e os Sistema de Arquivos. A esta compreensão não chegou a Comissão Nacional da Verdade.
Arquivos são instituições essenciais para a sociedade. A organização e difusão dos arquivos se colocam como condição para o acesso às informações primárias, íntegras e autênticas, conforme prevê a Lei de Acesso à Informação brasileira. Sem eles perde-se possibilidades de prova, de direitos e também de memória. Esperávamos que as Comissões da Verdade, em suas diversas faces, tivessem apreendido essa percepção, justamente a partir das tantas e enormes dificuldades encontradas durante essa trajetória na busca pela reconstituição da verdade, da justiça e pelo direito à memória. Pelo que se constatou até o momento, isso não aconteceu. Aliás, muitas Comissões da Verdade sequer realizaram pesquisas em fontes documentais primárias.
Notas
- [1] Rubens Paiva – Engenheiro e político, por seu envolvimento com movimentos contra a ditadura militar foi preso, torturado e assassinado, mas sua morte só foi confirmada 40 anos depois em depoimentos de ex-militares envolvidos no caso da Comissão Nacional da Verdade.
- [2] Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – Programa da Organização das Nações Unidas (ONU) que atua para a eliminação da pobreza no mundo, além de promover a melhoria do desenvolvimento humano e a sustentabilidade.Oferece aos parceiros apoio técnico, operacional e gerencial, por meio de acesso a metodologias, conhecimentos, consultoria especializada e ampla rede de cooperação técnica internacional. Consultar: http://www.pnud.org.br.
- [3] Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE) – Criado pela Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos em decorrência da abertura da Vala de Perus (1990) e das investigações sobre o caso. Tem por objetivo prosseguir nas investigações sobre as circunstancias das mortes e localização dos restos mortais das vítimas da ditadura. Consultar: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos_instituto.php?m=2.
- [4] Brasil Nunca Mais – Projeto desenvolvido nos anos 1980 pelo Conselho Mundial de Igrejas e Arquidiocese de São Paulo, coordenado por Dom Evaristo Arns e Ver. Jaime Wright com o objetivo de impedir que processos por crime político fossem destruídos, obter informações sobre as práticas de tortura dos aparelhos de repressão e divulgar essas informações com fins educativos. Consultar: http://bnmdigital.mpf.mp.br.
-
[5] Informações obtidas em 18 de fevereiro de 2016, por meio da página
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/CMV-PMSP%20-%20RELATORIO%20PARCIAL-p-site.pdf. - [6] Sobre o uso do Cemitério Dom Bosco para ocultamento de cadáveres, ver artigo de Márcia Hattori e outros, nesta edição da Revista do Arquivo.
- [7] Marcos Lindenberg – Reitor da Universidade Federal de São Paulo deposto pela ditadura militar, acusado de conduta de oposição contra o regime. A comissão da verdade instalada pela UNIFESP para investigar, entre outras coisas, os efeitos da repressão na vida universitária, leva seu nome.
- [8] Conforme informação extraída de http://www2.unifesp.br/comissaodaverdade/membr. Os nomes dos componentes da CVML na UNIFESP estão disponíveis nesse mesmo endereço.
- [9] Conforme informação extraída de http://www2.unifesp.br/comissaodaverdade.
- [10] Sebastião Neto - Mecânico de Precisão. Preso político. Membro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, membro da Executiva Nacional da CUT. Idealizador do Projeto Memória da Oposição Sindical Metalúrgica – SP, liderou a organização do GT Trabalhadores da Comissão Nacional da Verdade.
- [11] Projeto de Investigação Operária: Projeto que reconstrói, através de testemunho dos trabalhadores metalúrgicos e dos militantes da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo a trajetória desse movimento classista e sua influência e participação no movimento operário e na sociedade durante as décadas de 1960 a 1990.
- [12] CSP Conlutas – Central Sindical criada em 2010 durante o Congresso Nacional de Trabalhadores com intuito de atuar em prol das reinvindicações de trabalhadores e combater a exploração e opressão.
- [13] Sobre esse assunto ver artigo de Maria Carolina BISSOTO, A cumplicidade em violações aos direitos humanos por parte de empresários durante a ditadura civil-militar brasileira. Disponível em: <http://www.initiavia.com/justica-de-transicao/>. O livro 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe, de René Armand Dreyfus, editado pela Editora Vozes, é um clássico sobre o assunto.
-
[14] Operação Bandeirante (OBAN) - Criada pelo II Exército em São Paulo, em 1969. Foi um centro integrador das forças que reprimiram os que resistiam ao regime ilegal e ilegítimo instalado com o Golpe em 1964. As suas instalações eram localizadas na rua Tutóia, onde atualmente funciona o 36° distrito policial.
Inicialmente, um centro clandestino de detenção e tortura que reuniu integrantes das três forças militares assim como um pequeno contingente “escolhido a dedo” de soldados da Força Pública e da Policia Civil do Estado de São Paulo. A partir de meados de 1970, a Operação Bandeirante tornou-se uma estrutura oficial das forças do Exército, passando a ter o nome de DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações ligado ao Centro de Operações de Defesa Interna). Na década de 80, os DOI foram renomeados SOP – Setor de Operações.
Calcula-se que passaram pela OBAN mais de 10.000 prisioneiros. Os seus comandantes, hoje processados pelo Ministério Público Federal, foram os responsáveis por inúmeras mortes de combatentes sob torturas e friamente executados nas dependências deste organismo ou em vias públicas.
(Informações extraídas de http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx?mn=68&c=148&s, em 28.03.2016) - [15] Esse fato consta do Relatório do GT Trabalhadores, acessível pelo https://trabalhadoresgtcnv.wordpress.com
- [16] Crimes conexos: Delitos relacionados a outro porque praticado para a realização ou a ocultação do segundo, porque estão em relação de causa e consequência, ou porque um é cometido durante a execução do outro. Exemplo: um homicídio cometido para eliminar a testemunha de um roubo. Fonte: http://www.jusbrasil.com.br /topicos /297560 /crime-conexo
- [17] Fabio Konder Comparato é professor da Faculdade de Direito da USP, jurista conhecido por sua longa e firme militância na luta pelos direitos humanos e democráticos no Brasil. Tem contribuído com inúmeras entidades e movimentos sociais na formulação de propostas para a transformação do povo brasileiro no sujeito de sua própria soberania.
- [18] Para acessar o contexto dessa afirmação, ver entrevista de Fábio Konder Comparato na Revista Caros Amigos, publicada em 03/11/2010.
- [19] O Relatório da Comissão Nacional da Verdade está disponível no site http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv.html.
- [20] Justiça de transição - A justiça de transição é conceituada como o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades. Sob a ótica da necessidade de reparação das vítimas e atendimento de suas expectativas, a justiça de transição foi diretamente influenciada pela atuação das organizações defensoras dos direitos humanos e pela normativa internacional (legislação de direitos humanos e legislação humanitária). – Dicionário de Direitos Humanos http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php.
- [21] O artigo Segurança nacional e os povos indígenas, ontem e hoje: os documentos sigilosos da ditadura militar e a jurisprudência atual do STF, de Pádua Fernandes, está disponível em: https://drive.google.com/file/d/0BxNsVVsXdsDudzJWakhEc1FYMjg/edit?pref=2&pli=1.
- [22] Além do já citado livro de Armand Dreyfus, recomendamos a leitura do livro recém lançado À Espera da Verdade - Empresários, juristas e elite transnacional - Histórias de civis que fizeram a ditadura militar. Trata-se de coletânea de artigos de vários autores sobre a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985, lançado em março de 2016, pela Editora Alameda. Os cinco organizadores são pesquisadores que colaboraram com a Comissão Nacional da Verdade.
- [23] Sobre o difícil processo de fusão da EPM ver relatório parcial da Comissão da Verdade “Marcos Lindenberg” em http://www2.unifesp.br/comissaodaverdade/nossa-pesquisa/documentacao-e-resultados-parciais/texto-de-resultados-parciais/view.
- [24] Sobre o AI 1, ver artigo de Mateus Gamba, O primeiro Ato Institucional: ministros e imprensa no pós-golpe de 1964, nesta edição da Revista do Arquivo.
- [25] Ver os artigos de Pádua Fernandes, Ditadura Militar na América Latina e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos: (in)justiça de transição no Brasil e Argentina, disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr /file /index /docid /531273 /filename /AT12_Fernandes.pdf; O direito internacional dos direitos humanos e a ditadura militar no Brasil: o isolacionismo deceptivo, disponível em: http://www.apers.rs.gov.br /arquivos /1314800293.I_ Jornada_Ditaduras_ e_Direitos_Humanos_Ebook.pdf.
- [26] Ver recomendações no relatório parcial da Comissão da Prefeitura Municipal de São Paulo em: http://www.prefeitura.sp.gov.br /cidade /secretarias /upload /direitos_humanos /CMV-PMSP%20-%20RELATORIO%20PARCIAL-p-site.pdf.
- [27] Essa forma de código composta por letras e números era originalmente utilizada pelo DEOPS para dividir e organizar seus documentos por assunto, sendo que o Arquivo Público do Estado de São Paulo preservou essa catalogação. No entanto, muitas vezes não é possível identificar a qual assunto determinado código se refere.